Mate-me por favor!


O vento soprava generoso naquela sacada. Água-furtada que parece capturar o coração da metrópole pulando de leste a oeste. A configuração do set lembrava em alguns momentos a cena inicial de Sin City. Só que ele não era um assassino de aluguel & ela não vestia um vestido vermelho. Mas quem pucharia o gatilho primeiro? As nuvens arrastavam pelo pé um espantalho gigante que arranhava o céu azul encardido. O sol evanecia-se aos pucos & o casal debruçava olhares sobre a sacada. Ele no canto esquerdo fazendo de conta que poderia se controlar. Ela no outro extremo do ringue falando sobre vidas passadas & vulcões que um dia iriam arrasar com tudo. Conforme haviam armado, esse seria o último round. Sairiam daquela encrenca no mínimo como amigos. Nem precisou soar o sino! Quase tudo foi dito, esmiuçado & re-encenado. Os farpas eram inofensivas como golpes de um bebê. Os diálogos & os desenhos de toda a história foram registrados em algum lugar. Quem sabe poderiam fornecer a matéria-prima para um novo longa-metragem. Uma boa briga precisa de açucar espalhado pelo chão. Na verdade o açucareiro ainda continua a salvo em algum lugar. Parecia impossível separá-los. Ningué caiu na lona. Como uma estúpida & previsível lei da física os corpos lentamante se atraem. A luz vermelha acende quando as mãos se tocam. Depois os braços. Em seguida o todo. Deus! O último abraço forte poderia virar uma imponente estátua de bronze presa ao alto de algum lugar. Alguém precisava separá-los! O que ou quem poderia explicar o que não pode ser explicado: Mahikari? Literatura? Cinema? Música? A maldita poesia? Quem diabos daria o derradeiro laudo daquele círculo vicioso. Alguma força inexplicável não deixava aquilo tudo acabar. Como se o momento fosse vital como realmente parecia ser. Era Impossível ignorá-lo. A coisa toda não era sexual. Estou falando do combustível turbinado do qual são feitas as cartas de amor. Palavras que ecoam atravessadas dentro de gargantas & lugares secretos. Cama, perfume & falta de apetite pra devorar o sorvete. O regime é engolido pela gula das mãos & perde-se por completo na lascívia nos beijos de língua. Agora sim eu falo de sexo! Estou falando de uma atração incontrolável pelo proibido. Desejo dos bons não pode ser apenas insinuado, sugerido & entrecortado com conversa da boa. Longos papos até podem esquentar o corpo como o sol em dezembro. Mas não alimentam a corpupiscência que embala veias & desagua espíritos indomáveis no olho do furacão. É impossível cair dentro de um pote de mel & não se lambuzar. Milonga, blues & tango. Todos os sons & suas particularidades dançavam com graça pelos lábios dela. Ganhavam contornos terapêutiocos pelo discurso dele. Sabe aquele fumante que diz que vai largar o cigarro aos poucos e acaba nunca deixando o vício? Sabe aquele bebum que diz que vai ficar apenas na primeira dose & termina a noite esvaziando seu desespero dentro de uma garrafa? Ela diz que desistiu de atravessar para o outro lado. Ele diz que não quer vê-la sofrer dentro daquele Campo de Concentração. Mas eles adoram cantar a mesma estrofe. As vozes se mixam como um tortuoso mantra que os conforta & os apazigua. Sabe aquele remédio medicinal que só pode ser encontrado no alto de um lugar de difícil acesso? Essa é a sensação que paira nas entrelinhas. Ele pede ajuda aos anjos. Bukowski diz: tira a calcinha dela! Kerouac fala: toque-a & explore os seus contornos como um jazzista faz ao pousar os lábios no bocal do seu saxofone. Whitman diz: Leve-a até a borda do ermo precipício & diga o seu nome como quem enuncia uma prece. Corso ordena: declare o branco como à cor do amor. Leminski determina: exclame o acordo entre a negritude & a alvura da alma. Ele fica confuso & faz um pouco de tudo isso. Ela declama um longo discurso. Um pronunciamento com direito a picos & overloads visíveis numa onda de soundforge. Ele lembra mais uma vez de Sin City & faz uma inversão de papéis, dizendo: Mate-me por favor! Ela o chama de tolo. Certas coisas são inevitáveis. A força da natureza de cada um nunca pode ser subestimada. Ainda mais naquela sacada que se debruçou insinuante sobre uma despedida frustrada. O vento começa a soprar mais forte os jogando contra a parede. Ele precisa ir embora. Ela o leva até a sáida. O elevador elava a dor & potencializa o último solo. The last kiss. Eles continuam se olhando enquanto a porta começa suas preliminares. A sanfona fecha. Ela voltará até a torre. Ele será lançado ao calabouço das ruas. Quando percebe o serpentear de um furacão vindo de dentro dele. Ela sonha com a velocidade de um automóvel fugindo a mil do tornado. Faróis iluminam algo em frente.

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