{4} POESIA BARATA

> sesti, ardais, brum, grings, tranquilo e o amigo antônio klein - the end of the night / foto: juliana pozzatti 03.05.08.


o pardal & o espantalho


a última estrela cadente despencou do céu em chamas / caiu perdendo as pontas & numa fumaceira danada se escondeu como criança medrosa - os larápios estão a solta / ao diabo com a voz do povo, ela nunca foi a voz de Deus / a multidão eriça os pelos, enquanto o mestre de cerimônias executa o espantalho em praça pública & o boneco indefeso parece um cristo de braços abertos / suspenso no ar feito um mártir que agoniza sem graça

eu sempre soube & esse discurso não me engana / quem dorme com os cães acorda com as pulgas & pelo menos alguém conhece o lado escuro. sou um dos caras que viu a serpente engolindo os automóveis na freeway / tem uma máquina de pinball estocando a minha cabeça. olhei nos olhos de um vagabundo & fiquei sensibilizado - de onde vem todo aquele vazio ? / resolvi afundar os pés no concreto... & eles afundam mais & mais & mais & mais nessa trama / como se o cimento fosse feito nacos de nuvens, como se fossem chumbo no algodão doce encharcado de nebacetin / vencido, pela dor nos joelhos tortos

/ & já faz alguns anos desde que estive co’aquela mulher, que na realidade não era bem uma mulher & vejam bem... ela era bem novinha / na verdade: todos contaram as suas mentirinhas & quase fui em cana por levá-la pra cama / o pai da garota queria minha cabeça & facilmente, todos fomos iludidos, é certo & as vezes, também acho que tudo não passou de um daqueles sonhos malucos / apesar de ainda sentir o toque macio da sua mão gelada, deslizando entre minhas pernas

e esse tal sucesso que nunca aconteceu ou quase beijou a minha boca, se bem me lembro / mas pelo menos enfiou a língua quente dentro do meu ouvido. bem que poderia ter esfregado um generoso par de tetas bem no meio da minha cara & o foda – é que por alguns momentos / eu senti o aroma da coisa

olha só o vermezinho comendo um pedaço da minha alma. parece fumaça quando sinto que ela vai perdendo o contato & soltando os parafusos que sustentam o meu corpo/meu espírito vira vapor, enquanto eu encho a cara no mesmo balcão onde um dia prometi a minha mulher que nunca mais eu voltaria. foi bom eu ter cruzado os dedos, assim a consciência não pesa & hoje a noite é nesse boteco q’eu vou me emburacar, deslizar nessa lama quente & abrir bem a minha boca pra que vaze um carrilhão de gargalhadas / e depois da uma , vou tocar um blues com a minha banda & bailar um tanto esquisito nas alturas, eu & minha alma penada. e quando chegar a estiagem, lá pelas tantas - vou ficar bem parecido com o pardal que sobrevoa zonzo a plantação, em busca de uma boa espiga de milho

ouviu o barulho? / outro parafuso caiu, enquanto os carunchos seguem enchendo a pança & toda essa fartura não os deixa enfastiados & a coisa toda parece não ter fim. assim como o carnaval baiano, a ganância da humanidade está longe de um epílogo. enquanto isso - o espantalho do vovô vai enganando o pequeno pardal / apesar de ½ mundo saber que o nosso desmiolado fantoche de pano viverá para sempre naquele cu de mundo – sem mover uma palha, imóvel como uma fotografia / feito eu, lavando a louça suja & descascando meu saco de batatas na tela de Van Gogh / um simples moribundo apodrecendo numa moldura cara /enquanto as traças continuam abusando do direito de ir & vir

preciso provar novos vinhos / fiz um daqueles acordos & olha eu outra vez na fila do seguro desemprego. na avenida de mão dupla um velho lê a bíblia sem o mínimo traço de sinceridade: é apenas o medo da morte que o move / não passa de um espantalho num paletó imundo & esfarrapado. até parece Don Pedro II, primeiro & último imperador do Brasil / oh, nobre nação / geneticamente modificada pela ladroagem dos portugueses, que chutaram a bunda dos holandeses & expulsaram os espanhóis do Rio Grande / quem sabe hoje estivéssemos falando a língua de Don Pablo Neruda / não fossem esses descarados lusitanos / tão gananciosos quanto os texanos, que passaram a perna nos mexicanos em plena hora da siesta

eu também gostaria de ter fracassado ao lado de Bento Gonçalves & Robert E. Lee & a verdade é que no final das contas estamos todos envolvidos na mesma velha maracutaia, eu já tô de saco cheio & também sei que a geografia não passa de outra invenção dos homens. por isso dei um chute nas convenções, um tapa no compasso & inventei uma nova geometria & dia desses, ainda jogo terra nos olhos desses cafajestes / retirem as tramelas das portas! / ninguém mais pode controlar essa merda

talvez algum dia eu concorde com Thoreau & acabe virando um eremita & pintor nas horas vagas / piloto de falsos concordes ou construtor de uma bonita pandorga que não voa. vou subir & descer a montanha - roubar um beijo da rainha negra - fumar o último cigarro um milhão de vezes - caminhar a favor do vento - plantar & colher aquilo q’eu como - vou virar arroz de festa nos bosques - quem sabe eu te chame, meu bem /porém, por favor: não tira toda a roupa - gosto desse véu que encobre tuas formas - depois eu te carrego no colo através das rosetas com meus chinelos havaianas, igual meu pai de calça tergal / com as barras viradas para cima / ah, & com as mãos sujas de tinta! eu fico bem mais a vontade!

já ganhei a minha medalha / alguém bordou uma flâmula no meu peito & dizem por aí, que logo virão outras condecorações. que beleza! mas cadê a grana, rapá? / é primavera, portanto uma boa hora de se ir embora / quem sabe a Itália ou até mesmo a França. conhecer Madrid / refugiar-se em Veneza / poder comer croissant sentado no ½ fio & ouvir um barbudo tocar acordeom. tomar um café num bairro antigo / comprar quinquilharias num antiquário / quebrar a cara & quem sabe sobreviver a mais um acidente / & depois, encontrar a verdadeira estrada que me levará aos desbotados madrigais do qual um dia me falaram

sabe, João – preste a atenção Arturo: - é bem verdade que talvez eu acabe mesmo, é apodrecendo atrás de uma caixa registradora de segunda mão, contando moedas & um dinheiro que não é meu / sonhando acordado com caudalosos rios gelados do hemisfério norte, embalando o desejo de conhecer os bichos na Patagônia & enxertando asas na ilusão de ontem. eu queria ver - eu queria ser... - eu queria voar igual o pardal que desenha rabiscos no sol poente

é preciso ter sorte / tanto quanto habilidade & sobretudo muita paciência. é por isso que eu ainda tô aguardando a vinda do messias / quem sabe seja ele disfarçado de vagabundo & tocando saxofone debaixo do viaduto. sinceramente eu não sei o que ainda me faz acreditar nessa pátria de chuteiras / queria conhecer o crupiê vendido que embaralhou & marcou as cartas altas / queria ter uma conversinha bem de perto com esse maldito filho-da-puta

as vezes eu me sinto igual aquele doido de bombachas que engraxa os sapatos no calçadão / falando grego com a boca cheia de palha / vem de algum lugar & já posso ouvir uma nova melodia soprada por um velho maestro - é o cristo redentor tocando seu sax prateado. q’ké isso?! / que raio de espantalho é esse? / com essa cara de otário é lógico que o pardal outra vez reconhecerá o engodo por traz desse sorriso cadavérico

mas que nada! / eu ainda não desisti. naquela casa antiga, serei eu o último tijolo a se esfacelar. todo esse fim não vai dar em nada / eu sou uma assombração de um milhão de anos – eu sou o pardal & o espantalho /o soldado de chumbo na mão do menino / a folha seca que graceja no telhado & o musgo que respira na parede. gosto da paisagem em movimento & não quero minhas cinzas presas a nenhum relicário. apenas, preciso retornar ao jardim


> II...........................................................<


Mercado de Pulgas


ELES estão por aí, mas ninguém os vê: a garota triste & o atirador de facas – dois maquinadores de um dia cinza que se repete abafado. nem mesmo o palhaço acrobata da Serafim percebe a bonitona & e seu par de brincos de plaquê, tilintando como sóis sobre seus ombros / & tem algo mais nessa dança das pupilas pelos olhos dela / luminosas lâmina(e)sferas que absorvem luz natural & derramam riso sem que se abra a boca & sem que se saiba por quê

mel afogado em âmbar cai pela ravina
& grita dentro da íris daquela lady

– cadafalso ou abertura?
...enquanto o pescoço de pelúcia de um bicho

aponta de outra janela, seus dedos infantis
fazem cócegas na jugular daquela zebra

êpa!!! parece uma serpente, mas são apenas
os viajantes pingos de chuva
que revestem a pele da veneziana /
advindas das telhas & calhas
podres de velha

enquanto o atirador organiza o cosmos no escano, a garota triste separa os iguais & depois dá um pulo até o confessionário: mostra a gengiva cortada, fala de seus amores & compra uma coca-cola 2 litros / Mozart & a baleia de Melville desfilam de mãos dadas pela feira livre. Hoje neva em algum lugar da Cordilheira. Aqui, alguém, desligou o ar condicionado & cobriu a porta de porrada. O pai dela descobriu o budismo & acha Keith Richards um barato / sua mãe acredita que essa vida mambembe acabou com a vida dela: “o que será que essa menina come?” – às vezes ela não fala coisa com coisa, sabe da última?

“bola na trave sem corruptela
a cromática de Wenders
é um bode com o nome
de Arturo Sandoval
sonata. sinfonia. samba
/ um blues.
- seria apenas um tela avermelhando
ou verniz deslizando pela tela”

/& algum zureta metido a carpinteiro construiu uma nova mentira. de qualquer forma, outra vez o atirador (de letras) esqueceu de crasear um `a´/ossos do ofício, ou uma nova norma – “quem sabe seja uma língua morta querendo falar”, diria o monge antes de dar uma bordoada no metal / esse krishna parece um misto de Cristo Karamazov com Roberto Piva & quem sabe o profeta segure a barra nessa longa espera de braços abertos até as quatro da matina. George Sand fazia o mesmo todas as noites - & durante o dia, ela tinha que cuidar dos filhos, da casa dos amigos e de todos os bêbados do quarteirão. – em outro rascunho minha caneta segue falhando & cortando uma nova idéia / enquanto preparo o cozido com madeira molhada, eu penso: “cozinhar o poema em fogo baixo é como socar uma bronha com a mão esquerda”

“a aranha & o arranha céu tem um caso de
amor com os cúmulos / esse estranho casal
badala ao suplício do tântalo. lá fora a cidade
& o mundo parecem um mercado de pulgas,
onde os passantes são insalubres como
um jornal sem assunto”


a cabeça bate pino enquanto o atirador de facas descobre um fliperama nas alturas. suas unhas pontiagudas podem esvaziar uma nuvem & promover uma bela bagunça / esse sonho vai ter que subir até lá. o dia `d´ do balão junino. sua dança. – só não vê quem não quer. depois do trabalho a chuva vai envernizar a garota triste enquanto o seu corpo gira pelas ruas... & no céu de asfalto & paralelepípedos / ela poderá flanar como uma dama... incólume, entre larápios & putas da avenida Presidente Vargas



> III....................................................................<


Diamanda


Gostei de ver a beleza ficando antiga & esfarelada naquele corpo de mulher feita / entre a bruma, lá vai ela soltando rizes feito um nau corsário – tomada pela espuma, mulher animal marinho transbordando água da banheira – gostei de ouvi-la cantando “Tipitina” no caminho até o quarto / metendo a cauda na roupa de cama & o focinho aonde chamaram o nome dela

Diamanda se tocou / & di prima
passou pro meu lado
adeus ilusão curvilínea, adeus!
faz tempo largamos o osso
tanta doçura nos tirou
a fome.
alguém perdeu-se no tempo
& perdeu seu bilhete premiado
viva a real pobreza / adeus à Deus
& a deusa vencida também!

sei que formamos um casal estranho / Diamanda & o barqueiro embriagado, remando de encontro a lugar nenhum. E quando o sol derreter atrás do lago – toca! toca! aquela pianola desafinada até o fim dos nossos dias – eis, o nosso faroeste fumegando igual lenha na lareira... brandindo como um foxtrote emboletado

apenas dois peixes graúdos
num aquário pequeno
quem sabe
poderemos quebrá-lo?!

foi bom, Diamanda / gostei de ver aquele rosto pequeno lambuzado de lama. lá vai ela desenterrar os seus mortos, saindo do prumo antes do fim da emoção. Gostei de ver a senhora beleza rogando uma praga & falando sozinha. lambendo as feridas, jogando feitiço & cortando o baralho sem cortar o barato
lá vem ela ‘embluando’ seus olhos / gosto de vê-la balançando o rabinho no espaço & cheirando minhas canelas como um bicho que enxerga seu dono. vou assestar os meus lábios – acariciando dobras & assobiando um tango de Gardel. não terei pressa – gosto de depilar suas pernas & seus pêlos debaixo do braço
tapete voador, zeppelin & aeroplano – astronave ou sei lá o que mais. nada me leva adiante, só saio daqui se levar Diamanda pintada de prece, leve-inoxidável / antes de dormir gosto de tatear estrias celestes & estrelas de carne & osso

também devo & posso & vou.
sitiar o meu olho, no movimento indecente
dos quadris de diamanda
mulher feita
subindo o lance de escadas &
me grudar naquelas
coxas pálidas ziguezagueando como
um copo de cerveja na mão de um bebum

é a semi nudez se escondendo no escuro, feito som desbotado / quem irá domar a tal beleza que sobrevive tortuosa nos olhos dessa menina / & assim seja, incomum amor de hoje. agora eu reconheço teu gosto salgado diluído pela minha boca / oceano cicuta vertendo no teu sexo apertado


(((grings))) postado em 12.05.08

Comentários

  1. tô aprendendendo um horror sobre música nesse blog... recomenda o meu tbm fio...

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  2. Gracias pelo comentário...ah, tu viu que eu falei do baú num outro post??? Bjus da bia

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  3. oi, tudo bom??

    http://cemmeiaspalavras.blogspot.com/2008/05/duas-campanhas.html

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  4. Fiquei pensando horas no que ia postar...
    Pra dizer a verdade, entendo pouco de poesia (até sou daquelas que dizem: "Nâo, acho que não gosto de poesia")
    Mas confio que entendo de sentimentos. Disso´eu sei.
    E, nesse momento, ainda estou meio tonta com o teu post. Há algo que transborda às linhas... Sei lá.

    Acho que, por um momento, entendi do que a poesia é feita.

    Obrigada!

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  5. grande márcio! que bom encontrar esse espaço.. espero que possamos trocar algumas idéias por aqui.
    abraço

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  6. é incrível ler com os olhos as palavras que meus ouvidos já decifraram ao som da tua interpretação.

    tu tens medalhas marcio, mas outras condecorações virão. certamente.

    continue brindando-nos com todo esse teu universo. por favor.

    Bjs Andressa Sgaria.

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  7. RRRRRRRR...Overdose....não cheguei até o final invadiste minha espinha com estas palavras descabidas, sem sentido, com sentido...Enfim...Em dias de vento norte, com poesias de Márcio Grins, puta que o pariu não sei para que lado ir

    Isso é muito bom, querido...Viajei....

    "resolvi afundar os pés no concreto... & eles afundam mais & mais & mais & mais nessa trama / como se o cimento fosse feito nacos de nuvens, como se fossem chumbo no algodão doce encharcado de nebacetin / vencido, pela dor nos joelhos tortos"

    Beijos...

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