CINE-HAICAI

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| Por Márcio Grings |

O cineasta suíço Richard Dindo, um dos grandes nomes do documentário europeu, faleceu em fevereiro de 2025, aos 80 anos. Em cinco décadas de carreira, dirigiu cerca de trinta filmes dedicados a figuras marcantes da cultura e da história — de Che Guevara a Franz Kafka, passando por Paul Gauguin, Arthur Rimbaud, Antonio Vivaldi e Jean Genet. Entre suas obras mais recentes, destaca-se Le Voyage de Bashô (2019), um filme contemplativo e poético que merece ser visto. 

Veja o trailer abaixo (em francês) e o filme completo (em inglês) ao final desta postagem. 

A produção mistura documentário e ficção — docudrama — retratando os caminhos percorridos pelo poeta japonês Matsuo Bashô (1644–1694), considerado o mestre do haicai e uma das figuras fundadoras da literatura japonesa. Em cena, o ator Hiroaki Kawamoto encarna Bashô, adepto de longas caminhadas por trilhas, campos e vilarejos, numa jornada silenciosa através da natureza. 


Trechos dos diários e haicais do poeta são narrados com sutiliza por Bernard Verley, conferindo à obra um tom de recolhimento espiritual. O ritmo é deliberadamente lento — e essa lentidão, longe de ser um obstáculo, torna-se chave para a experiência. É um filme sobre o tempo presente, sobre a escuta, sobre a imersão naquilo que é infenitesimal e essencial: o voo de um pássaro, o som de um riacho, a queda de uma folha. Como nos haicais de Bashô, cada imagem parece conter o mundo.


A fotografia, assinada por Roger Walch, suíço radicado há mais de duas décadas no Japão, transforma cada plano em uma pintura em movimento. As paisagens não são meros cenários, mas entidades vivas que evocam o ciclo da vida, a impermanência e a beleza do efêmero. A trilha sonora, sem trilha no sentido tradicional, é composta por sons ambientes naturais, leituras, silêncio e intervenções pontuais do biwa, instrumento de cordas tradicional japonês, semelhante ao alaúde. Tudo converge para criar uma experiência sensorial e meditativa, mais próxima de um estado de espírito do que de uma narrativa clássica.


Le Voyage de Bashô é uma obra ideal para espectadores que apreciam cinema filosófico, silencioso e imersivo. Poderíamos chamá-lo de cine-haicai: uma forma minimalista de arte, onde menos é mais, e o que se revela é aquilo que escapa à pressa do cotidiano.



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