Graphic Novel: Clube dos 27

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| Por Márcio Grings |

Bem antes de qualquer um dos célebres membros do Clube dos 27 nascer,  um músico na Europa é constantemente mitificado e lembrado como o artista pagão que vendeu sua alma ao diabo para obter sucesso. Chamado de mágico, feiticeiro — violinista do inferno —, o italiano Nicollò Paganini vestia-se com uma capa preta, tinha cabelos longos e ondulados, algo fora do padrão daquele período. Devido a essa áurea misteriosa, as pessoas chegavam a tocar o corpo do músico para ver se ele era de carne e osso, uma lenda urbana potencializada por sua incrível rapidez com instrumentista. A mítica se forjara, dizia-se que Paganini teria feito um pacto com o demônio em troca da fama. Com os seus dedos finos e compridos — como os ponteiros de um relógio —, Paganini conseguia tocar cerca de uma dúzia de notas por segundo. Não raras vezes, deixava o público perplexo ao tirar uma tesoura do bolso e cortar três cordas do violino para seguir adiante em improviso apenas com a corda sol. Ao morrer de tuberculose em 1840, a igreja negou sepultar o corpo de Nicollò num cemitério cristão, isso porque ele teria se recusado a receber os sacramentos finais como cristão. O violinista não morreu aos 27 anos, mas sim aos 57, de todo o modo, na linha do tempo da música mundial, Paganini é lembrado na literatura como um dos pioneiros em supostamente compactuar com as forças ocultas. Vale o bordão: quando a lenda é maior que a realidade se publica a lenda.

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Essa ligação com o oculto é o mote de Clube dos 27, graphic novel produzida pelo quadrinista e músico Isaque Sagara, em junção como o roteirista Wes Oliveira. Na trama, Kristen, um jovem escritor se vê fascinado pelo mistério que envolve os artistas dessa curiosa agremiação. Além de passear pela trilha de nomes famosos da música internacional, os autores resgatam a figura de Alexandre Levy (1864—1892), um instrumentista brasileiro que teria sido o ficha 1 do clube. 

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Por sua precocidade e brilhantismo, o jovem artista, que se apresentou em público pela primeira vez aos oito anos de idade, foi comparado a Mozart. Nascido em São Paulo/ SP, Alexandre Levy, é considerado um dos precursores do nacionalismo musical. Compositor, regente, pianista, crítico, Levy foi profundamente influenciado pela música de Schumann. É também lembrado como um dos responsáveis por  apresentar o samba para aristocracia local. O patrono da cadeira de número 29 da Academia Brasileira de Música veio a falecer subitamente aos 27 anos, sem qualquer doença aparente. Seu nome é justamente evocado em Clube dos 27, pois o segundo lugar no posto em antiguidade é Louis Chauvin, compositor e pianista norte-americano de ragtime.    

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Uma curiosidade: para boa parte dos integrantes selecionados no livro, J é a fatídica letra que abre as portas de percepção, e 27 é o número que marca o fim da linha — Brian Jones, Jim Morrison, Janis Joplin, Jean Michel Basquiat, Robert Johnson e Amy Jade Winehouse, por exemplo, estão entre os membros mais lendários dessa coincidência. Entre os clichês que pontificam a despedida precoce do planeta, num dos quadros da HQ lá está Kurt Cobain citando a famosa frase ‘testamento’ que roubou de uma música de Neil Young : “é melhor queimar do que se apagar aos poucos”, escolha que amaldiçoou “My My, Hey Hey (Into the Black”). Ao saber da citação na carta pré-suicídio de Cobain, encontrada após sua morte, Young ficou anos sem tocá-la ao vivo, e, impactado pela morte do colega, dedicou a ele “Sleep With Angels”, um disco/ tributo ao desaparecimento do líder do Nirvana. 

A publicação da editora Trem Fantasma bate nessa tecla, correlacionando a marca do Clube dos 27 com essa ligação no ocultismo, uma das marcas ficcionais de Isaque Sagara e Wes Oliveira na Graphic novel. Morrer jovem sempre será algo comovente, afinal, não está na ordem natural da vida os pais enterrarem seus filhos. Buddy Holly (morto aos 21 anos), River Phoenix (morto aos 23 anos), James Dean (morto aos 24), Duane Allman (morto aos 25), Nick Drake e Noel Rosa (mortos aos 26) são bons exemplos de artistas que partiram ainda mais jovens, portanto, excluídos dessa associação, mas frequentemente lembrados pela comoção de suas partidas.  

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Não importa a perspectiva — um bom artista, não necessariamente precisa ser alguém ajustado com o sistema — pelo contrário — “a falta de compostura é a marca do herói”, já nos lembra Jean Cocteau. Artistas, na sua maioria, são seres perturbados, assombrados ou desajustados. Muitas vezes agem à margem da sociedade, são renegados, mal pagos pelo seu trabalho e invariavelmente dão murro em ponta de faca. Esse sujeitos abrem portas emperradas — muitas vezes a coice —, mas, por outro lado, revelam as maravilhas da experiência humana através da sua arte. Bom artistas, experimentam, rompem fronteiras, trabalham como dublês em nossos sonhos, ralam o couro nas cenas perigosas, inventam moda frente ao inesperado, zoam da descrença alheia, balançam na vibração dos sacolejos do amor, fazem pactos, peitam o preconceito e levantam a poeira após levar rasteiras e mais rasteiras da vida. Antenas humanas, morrem em corpo físico, mas deixam um legado que perdura, pois a arte não fenece, reverbera além e muitas vezes, sem muita surpresa, é maior do que a própria vida.

  • Gênero: Música, Aventura
  • Formato (largura x altura): 18 x 26 cm
  • Número de páginas: 96 páginas
  • Data do lançamento: julho de 2023
  • Autoria: Wes Oliveira (roteiro); Isaque Sagara (desenhos e cores)
  • ISBN: 9786585238052
  • Título: Clube dos 27

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