Led Zeppelin I, 55 anos do primeiro voo

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| Por Márcio Grings |

A revista norte-americana QJ, afirmou que  — em apenas 44 minutos e 54 segundos  — o Led Zeppelin inventou os anos 1970 no seu LP de estreia lançado em março de 1969. Não me parece um exagero como tentativa de encontrar simbolicamente um marco zero para os dias que viriam. Em pouco tempo o grupo inglês mudaria as regras para o faturamento dos artistas em shows, graças as articulações de Peter Grant, o sagaz manager do Led; levaria os concertos a durarem quase 3 horas de duração, com Robert Plant/ Jimmy Page/ John Paul Jones e John Bonham desafiando o primeiro escalão do rock mundial a fazer o mesmo — como de fato aconteceu. Surgido num dos períodos mais profíucos da música mundial, o quarteto foi um dos responsáveis por subir o sarrafo do rock naquele período e até mesmo além do seu tempo.

Veja a live sobre os 55 anos do álbum Led Zeppelin I no Pitadas do Sal. 

  

O Led não se tornaria um gigante por acaso e, do mesmo modo, seu disco de estreia já pronunciava essa grandeza. Nas 9 canções do disco encontramos uma síntese do poderoso DNA forjado até ali: havia o blues, o gênese do rock chumbado que seria cunhado como heavy metal ou hard rock (eu acho que o Led fica numa outra prateleira, entre lugares), a tradição do folk, a invocação pastoral da tradição britânica, o lado escuro e o lado iluminado, ingredientes desenhados com equilíbrio e inteligência na produção de Jimmy Page, o verdadeiro maestro da obra. Page tinha apenas 25 anos quando o disco chegou às lojas em 1969, mas já acumulava horas e mais horas de estúdio e palco. Jimmy era um músico rodado, integrante do Yardbirds e, antes disso, um session musician que participou de vários clássicos dos anos 1060 — "I'm a Lover Not a Fighter" (The Kinks), "I Can't Explain" (The Who), "Heart of Stone" (Rolling Stones), "Baby Please Don't Go" (Them), “Sunshine Superman (Donovan), "Goldfinger" (Shirley Bassey), “A little Help From My Friends (Joe Cocker), entre outros. O quarteto levou apenas 30 horas no estúdio para finalizá-lo, um retrato da objetividade e da capacidade do Jimmy Page (que tirou dinheiro do próprio bolso para pagar as sessões), maestro das operações nesses dias inciais.

Aqui, já no primeiro álbum, começa também as notórias chupadas do Led Zeppelin, que, ao longo da carreira e até além de sua própria vida, ainda enfrenta processos por plágio ou não creditação de compositores. No mínimo metade do LP de estreia do grupo inglês reflete essa fórmula de reciclar velhas canções e transformá-las em algo deles. Nada que desmereça ou diminua a importância de Led I, um álbum que forjou milhões de moleques no rock and roll.

A capa do álbum, baseada numa foto de Sam Shere, foi redesenhada por George Hardie, e apresenta uma imagem histórica de um zepelim em chamas prestes a cair. Trata-se do Hindenburg, um dirigível que caiu nos EUA (Nova Jersey) ao chegar de sua primeira viagem transatlântica em 1937. O aeronave foi uma idealização do Conde alemão Ferdinand von Zeppelin, que acabou originando o nome da banda.

 MICHAEL OCHS ARCHIVES/GETTY IMAGES
GOOD TIMES BAD TIMES

O Led Zeppelin começou sua história com uma música que representa o monstro de quatro cabeças que ele foi. John Paul Jones trouxe a ideia inicial e o riff principal. Jimmy Page tinha o refrão. John Bonham aplicou o padrão de bumbo, evoluindo para uma forma de tocar que revolucionou a bateria no rock and roll. Inclusive, muito consideram "Good Times Bad Times" uma das melhores performances de Bonzo no Led Zeppelin. E Robert Plant potencializa tudo com sua voz que influenciaria multidões de cantores. Jimmy Page plugou sua guitarra numa caixa Leslie para criar um efeito peculiar. O Leslie contém uma pá giratória e foi projetado para órgãos, mas alguns músicos o usaram para processar guitarras e vocais. Eric Clapton já havia feito o mesmo em "Badge". Contudo, “Good Time Bad Times” é uma martelada capaz de abduzir qualquer garoto sem aviso prévio. É só o início, mas o ouvinte já foi fisgado.

Lado A

BABY I'M GONNA LEAVE YOU

“Baby I’m Gonna Leave You” foi escrita originalmente pela cantora folk Anne Bredon, ainda no final dos anos 1950, e gravada ao vivo por Joan Baez em 1964, creditada como uma canção tradicional com arranjo de Joan. Baez a conheceu através de uma outra cantora, Jane Smith, e julgava ser uma música tradicional. Quando a gravou, o Led Zeppelin cometeu o mesmo engano, que, anos depois, gerou um processo por Bredon, reivindicando direitos autorais pelo tema. A letra é belíssima (com partes reescritas por Robert Plant), uma canção de despedida, de alguém que anuncia sua ida para outra lugar, por ouvir o chamado da estrada, mas reticente pelo amor que deixará nesse lugar. Há um misto de esperança e desesperança, com momentos acústicos deslumbrantes e parte mais pesadas que não ficam para trás. É um dos grandes momentos do álbum e prenúncio de uma das facetas do grupo que seria explorado em diversos momentos de sua discografia: o lado acústico do Zep. É a minha preferida do álbum, são quase 7 minutos que passam voando.

YOU SHOOK ME

Uma canção da turma do blues de Chicago, escrita por Willie Dixon e J.B. Lenoir, e que entrou fácil no setlist dos show do grupo no seu primeiro ano de existência. Jeff Beck também a gravou no seu álbum de estreia, lançado meses antes. As duas versões são peculiares e arrasadoras. Robert Plant está na harmônica, John Paul Jones toca baixo e um órgão Hammond, a bateria de Bonzo bate mais forte que a levada tradicional do blues norte-americano. Se a Invasão Britânica no início da década de 1960 colocou o blues na pauta do rock inglês, o que bandas como Led Zeppelin e Jeff Beck Group fazem aqui é turbinar todas essas influências e jogar o blues dentro do caldeirão branquelo do rock and roll mundial, revitalizando ambos os gêneros. Há solos de harmônica e teclado, girando a bola com Jimmy, ou seja: a caixa de ferramentas do Led traz chaves capazes de abrir muitas portas. A parte final com Jimmy e Robert duelando é um dos grandes momentos do tema. Trata-se de uma canção assinatura dos primeiros dias do quarteto. 

DAZED AND CONFUSED

Essa é outra das chupadas clássicas do Led Zeppelin, Jake Holmes fez uma série de apresentações de abertura para shows do Yardbirds nos Estados Unidos, e "Dazed and Confused" era um de seus carros-chefe. Logo depois o Yardbirds colocou o tema em algumas de suas apresentações. Pouco tempo depois, Jimmy Page a repaginou, mas manteve várias das ideias de Holmes, que anos depois foi reparado e creditado como coautor. Isso porque a 'versão' do Led Zeppelin não foi creditada a Jake Holmes, pois Page sentiu que ele mudou o suficiente da melodia e adicionou trechos novos de letra o suficiente para escapar de um processo de plágio (SIC). Embora Holmes não tenha tomado nenhuma atitude na época, ele pediu reparação. E, finalmente, através de uma ação judicial em 2010, onde foi alegado violação de direitos autorais, com Jimmy Page nomeado como co-réu, a verdade foi restituída. O solo de guitarra após a seção de arco é o mesmo que Page fez em "Think About It" dos Yardbirds, outra de suas reciclagens. 

Em shows ao vivo, Page tocava a guitarra em "Dazed and Confused" usando um arco de violino. A faísca veio de Eddie Phillips, guitarrista da banda britânica The Creation, pioneiro no uso do arco de violino nas cordas de uma guitarra, dois anos antes de Page começar a fazer o mesmo nos Yardbirds. Ouça "Makin' Time" do Creation, gravada em 1966. Esta foi a primeira de três músicas em que Page usou o arco. As outras foram "In The Light" e "How Many More Times." O primeiro uso identificável do arco em uma guitarra de Jimmy Page está em um lado B do Yardbirds, "Tinker, Tailor, Soldier, Sailor." Durante os shows do Led Zeppelin às vezes "Dazed and Confused" poderia chegar aos 40 minutos. O resultado de todas essas infiltrações é que "Dazed and Confuded" se tornou uma das músicas mais dramáticas do Led Zeppelin, escolhida por Page para tematizar seu momento solo no filme "The Song Remains de Same", utilizada na cena da escalada da montanha e no encontro entre o guitarrista e o ancião no alto da colina. 

Lado B

YOUR TIME IS GONNA COME

Hammond B-3 soando como um órgão de tubos barroco, com Jones emulando o clima pastoral ao estilo dos instrumentos de teclas de igrejas, e usando um pedal como baixo. Jimmy Page e John Paul a escreveram,  numa letra que fala sobre uma garota infiel que pagará um alto preço por seus modos enganosos. Todos os quatro membros da banda cantam juntos no refrão, algo que não seria comum nas canções do grupo. Ela foi tocada na turnê escandinava em 1968, para depois ser abandonada nas apresentações ao vivo. Jimmy Page voltaria a ela durante uma turnê com os Black Crowes em 1999-2000. A cantora britânica Sandie Shaw se tornou a primeira artista a fazer um cover de uma música do Led Zep quando a regravou para seu álbum de 1969, "Reviewing the Situation".

BLACK MOUNTAIN SIDE

Descaradamente chupada da versão de "Black Waterside", feita por Bert Jansch, um dos músicos que inspirou Jimmy Page quando ele se expressava através de um violão. Falecido em 2011, Jansch nunca reivindicou seus direitos pela relida de Page baseada no seu arranjo. O som oriental em "Black Mountain Side" foi influência da viagem de Jimmy Page à Índia quando ele era membro do The Yardbirds. Baseado nessa experiência, o músico utilizou em alguns trechos uma guitarra Danelecto com afinação específica para simular um citar. O Led Zeppelin costumava combinar "Black Mountain Side" com uma música chamada "White Summer" quando a tocava ao vivo. As músicas combinadas formavam "White Summer-Black Mountainside" que nessa união passava dos 10 minutos. Anos depois, nos anos 1980, Jimmy tocou versões de “Black Mountain Side” no Firm, grupo que fundou com Paul Rodgers. No álbum de estreia do Led Zeppelin, a música fornece um contraste interessante, como se fosse um preâmbulo para o que ouviremos a seguir, pois não há divisões/ espaços entre ela e “Communication Breakdown”.

COMMUNICATION BREAKDOWN

O riff de guitarra foi inspirado em "Nervous Breakdown" de Eddie Cochran. Jimmy Page usou um pequeno amplificador microfonado para criar o som de "guitarra em uma caixa de sapatos". Tornou-se uma música popular ao vivo que o Led Zeppelin costumava usar para abrir shows ou até mesmo no bis. Influenciou milhares de guitarristas com sua levada bate-cabeças. Foi uma das primeiras músicas em que Jimmy Page e Robert Plant trabalharam juntos. A voz de apoio que você ouve no refrão é de Jimmy. No álbum The BBC Sessions, lançado apenas em 1997, é possível ouvir três diferentes versões ao vivo de “Communication Breakdown”.  

I CAN'T QUIT YOU BABY

Mais uma de Willie Dixon, mas essa é creditada. Um blues mais velado, mais contido do que o blues do Lado A, "You Shook Me". Particularmente prefiro a versão do álbum póstumo, "Coda" (1982), gravada na passagem de som para um show no Royal Albert Hall em 9 de janeiro de 1970, dia do aniversário de 26 anos de Jimmy Page. Aqui novamente há um jogo de antecedência com a faixa que vem a seguir, para deixar o ouvinte sem fôlego, pois ela mal acaba, logo já ouvimos a marcação do baixo em "How Many More Times". 

HOW MANY MORE TIMES

"How Many More Times" é baseada em antigas canções de blues que influenciaram a banda. Parte das letras trazem trechos de "The Hunter", de Albert King, e a maior parte dela é derivada de "How Many More Years", de Howlin' Wolf. Segundo o site Song Facts, nas primeiras prensagens do álbum ela foi listada com tempo de 3min30, quando de fato tinha 8min28. Por quê? Jimmy Page sabia que as rádios nunca tocariam uma faixa com mais de 8 minutos, então ele escreveu o tempo da faixa como mais curto para enganar as estações de rádio. O Led Zeppelin usou "How Many More Times" para encerrar muitos de seus primeiros shows. Durante a seção instrumental, Plant frequentemente agradecia ao público e apresentava os membros da banda. Outro destaque da faixa é a parte instrumental com arco de violino.

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Os vocais histriônicos do jovem Robert Plant, com apenas 20 anos, mas detentor de uma identidade única; a batida pesada do John Bonham, também com 20 anos; a experiência de outro jovem talento, John Paul Jones, com 22 anos, mas com serviços prestados para os Rolling Stones, Herman's Hermits, Donovan, Shirley Bassey, entre outros; e, sob a batuta de Jimmy Page, o Led Zeppelin dava seus primeiros passos ainda no final dos anos 1960, pronto para ganhar o mundo nos meses seguintes, redesenhando a história do rock e tomando de assalto os dois lados do Atlântico.

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