Conheça Watertown, o álbum apócrifo de Frank Sinatra lançado em 1970

| Divulgação Warner |
| Por Márcio Grings |

Publiquei esse texto faz alguns anos, não aqui, mas no Facebook. Acredito que ele merece figurar no blog, principalmente pelo fato de falar de um dos álbuns mais incríveis e esquecidos de Frank Sinatra. Desde que conheci "Watertown" (1970), ele sempre figurou num lugar especial da minha estante. Até a capa é fora da curva, sem seu rosto ou traço da imagem dele em nenhum centímetro do pacote. Abaixo explico os motivos desse encantamento por um dos álbuns apócrifos de Frank. Apócrifo? Sim, ele foi recolhido pelo baixo número de vendas, por não parecer um álbum de Sinatra. Pura bobagem, hoje é celebrado como clássico! 

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“Watertown é feito do mesmo material que abasteceu Flaubert, Woolf, Hemingway, Joyce, Faulkner e Tolstoy”, disse um jornalista americano sobre o disco. Mesmo naipe de escritores que parece viver tão profundamente suas realidades, que não fazem nada para mudar a ordem natural das coisas. Contudo, esse aparente conformismo ganha amplitude e protesto na visão daquilo que produzem — “Não faça nada contra mim ou eu coloco você na minha música”. E por sintomas semelhantes a esse, que “Watertown” pode ser considerado literário. O que um pontapé na bunda não faz com a autoestima de alguém (no caso o rompimento com a atriz Mia Farrow). Não é mesmo, Frank? Intimista, perturbador e revelador. Conceitual, o personagem das canções vive numa cidade pequena onde a chuva não dá tréguas, sem chances para o sol. E tudo começa e acaba numa estação de trem.

Frank Sinatra and Mia Farrow

Para muitos, a música de Sinatra combina com coquetéis e uma América de terno e gravata. Só que “Watertown” é um trabalho onde o contrabaixo poderia ter sido tocado por Paul McCartney. Orquestrações ganham semelhança aos arranjos de Burt Bacharah, e os vocais não ficariam desalinhados na voz de David Bowie. A guitarra muitas vezes enseja alguns riffs que cairiam como uma luva numa banda qualquer do final dos anos 1960. É quase um namoro com o rock. Quase…

Artistas como Nick Cave e Elvis Costello já declararam publicamente sua paixão por este conjunto de canções. Imagine um homem (ou mulher) andando sem rumo em torno de sua casa. Ele(a) pode(m) estar nos Estados Unidos, na Argentina, na França, no Brasil, em qualquer lugar. Temático, “Watertown” relata a saga cotidiana de um sujeito atormentado pela ausência da esposa. Um tema que rompe com uma tradição de Sinatra — a do romântico triunfante. Imagine o protagonista dessas canções como um homem que olha para fotos antigas com olhos marejados.


Crédito: Rex Features

Esse mesmo sujeito assiste imóvel no desconforto de sua poltrona a ação ininterrupta dos ácaros e do sol desbotando o tapete da sala. Você já viu esse filme, não é? E todas as tardes ele vai até a estação de trem de Watertown na esperança de que a amada, quem sabe esteja desembarcando de algum vagão. E isso nunca acontece. Michael e Peter, seus dois filhos, também sentem saudade da mãe. Ela morreu ou os apenas os abandonou? Isso não fica muito claro.

“Watertown” é uma obra triste bonita que merece luz. As dez faixas são exuberantes, formam um conjunto de temas que ainda reluzem forte. Destaco especialmente duas — "I Would Be in Love" e "What Now is Now". Todas as composições são de Bob Gaudio e Jake Holmes, com arranjos de Charles Callelo e de Jake Holmes, compositor de "Dazed and Confused", tema que ganhou popularidade no disco de estreia do Led Zeppelin (1969). Loucura, não? Sim, ouvir Frank Sinatra é rodar a roleta sem medo e jogar dados com o imprevisível. Sempre acompanhado de uma boa dose de Jack Daniels, sua bebida favorita. Tim-tim! 

Ouça "Watertown". 

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