20 anos de Bob Dylan no Opinião: entrevista com Alexandre Lopes, proprietário da Opinião Produtora


Foto: Divulgação Opinião Produtora



A partir desta terça-feira (3), o Memorabilia publica matérias especiais sobre a segunda passagem de Bob Dylan por Porto Alegre, em 7 de abril de 1998, apresentação que teve como palco o Opinião Bar (José do Patrocínio, 834). Conversamos com testemunhas oculares do evento, nomes como Eduardo ‘Peninha’ Bueno, Cagê Lisboa, Marcelo Nova e diversos fãs que presenciaram o show e revelam suas lembranças. E tudo começa por Alexandre Lopes (55), um dos donos da Opinião Produtora e principal responsável pela segunda vinda do bardo norte-americano até o Sul do Brasil.
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Muitas pessoas não sabem ou não lembram, mas até Porto Alegre finalmente virar corredor de grandes shows internacionais e consequentemente estar inclusa como roteiro da primeira divisão do rock mundial na América do Sul, os shows por aqui pingavam com pouquíssima frequência. Por isso, em lembrança dos 20 anos da histórica apresentação de Bob Dylan no Bar Opinião em Porto Alegre, apresentação ocorrida em 7 de Abril de 1998, conversamos com o empresário gaúcho Alexandre Lopes, um dos donos da Opinião Produtora. Lopes, que hoje mora em Miami, nos recorda como se deu a negociação para trazer pela segunda vez ao RS o músico norte-americano. Vale lembrar que nessa época e ainda até hoje, Dylan não costumava se apresentar para plateias inferiores a cinco mil pessoas. Por peculiaridades como essas, a apresentação possuía vários ingredientes para se tornar um evento inesquecível.

Em dezembro de 1997, Alexandre Lopes, na época com 35 anos, foi até Buenos Aires com um único objetivo em mente: encontrar o produtor de espetáculos argentino Daniel Grinbank, e assim convencê-lo de que Porto Alegre poderia entrar no seleto time das capitais sul-americanas anfitriãs de grandes eventos musicais. Por mais que alguns shows cruzassem por aqui - o próprio Dylan havia tocado em 1991 no Gigantinho - o RS ainda não estava definitivamente no caminho de passagem dos shows gringos pelo país. Na maioria das vezes, nos restava apenas ficar observando os aviões que levavam artistas/bandas passarem invisíveis por aqui rumo a outros grandes centros, sem escalas no RS. No próprio Opinião já haviam passado nomes como Deep Purple, Santana, Jethro Tull, Eric Burdon, Yes, Steppenwolf e John Mayall. Mas como produtora, a ideia era ampliar essa ação para apresentações em espaços maiores. 

Foto: Adriana Franciosi
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Grinbank era nada mais, nada menos, do que o responsável pela segunda vinda dos Rolling Stones a América do Sul, quando, durante o mês de maio de 1998, os ingleses tocariam em apenas três cidades: Buenos Aires (2), São Paulo (11) e Rio de Janeiro (13). Como Porto Alegre fica no meio do caminho entre a capital argentina e a maior metrópole brasileira, esse era um dos principais argumentos de Lopes, por que não fazer um show dos Stones por aqui? Bem, esse evento demoraria 18 anos para acontecer, mas essa já é outra história...

No entanto, havia nessa turnê de 1998 um detalhe que a tornava ainda mais interessante – Bob Dylan faria os shows de abertura. Fã da música de Dylan, o empresário gaúcho resolveu ir a batalha no intuito de trazê-lo ao RS: “Na época a Argentina estava bombando e, todos os grandes shows internacionais passavam por Buenos Aires. Eu, por falar fluentemente o espanhol e ter raízes no país, tinha um bom trânsito com os hermanos. Assim, criei um canal de negócios com eles.” Lopes argumentava que Porto Alegre tinha potencial de publico e uma infraestrutura razoável para protagonizar eventos musicais desse porte. E com uma banda do naipe dos Stones realizando shows pela América do Sul, Lopes encontrou motivos de sobra para apresentar armas e tentar convencer os empresários argentinos em voltar os olhos para o Sul do Brasil: “Fui a Buenos Aires no intuito de comprar o show dos Stones, mas na verdade eu queria os dois shows. Imagina ver Dylan abrindo pros Stones em Porto Alegre? Tentei convencê-los de incluir a cidade nesse roteiro” No final das contas, por motivos contratuais e outros detalhes, Lopes não obteve sucesso na sua missão. Não obteve em parte: “Eles consultaram o tour manager de Dylan, e então me ofereceram ele como prêmio de consolação! Mal sabiam que era tudo o que eu queria!”. Assim Porto Alegre protagonizaria o único show individual de Bob Dylan naquele ano no país.   

O empresário gaúcho pagou U$ 70 mil de adiantamento e assim deu o passo fundamental para fazer um show menor, no Opinião, uma brecha entre a apresentação de Buenos Aires e São Paulo. Consequentemente, ao longo das semanas seguintes, os detalhes contratuais foram sendo ajustados via fax. Sim, vale lembrar que não havia internet e nem smarthphones. A comercialização dos tíquetes começou após o Carnaval, com ingressos esgotados em apenas cinco dias de vendas. Só  1.700 pessoas assistiriam a apresentação, entre elas artistas e celebridades como Marcelo Nova, Vitor Ramil, Moacyr Scliar e o tenista Tomaz Koch.

Foto: Adriana Franciosi
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Duas décadas depois, Lopes revela que essa noite inédita poderia na verdade ter sido duas! É que o empresário chegou a abrir negociações para uma segunda noite de apresentações no mesmo local: “Jeff Kramer (manager de Dylan) se reuniu comigo e produtor argentino Daniel Grinbank, no Plaza, na chegada deles em Porto. Kramer me perguntou em quanto tempo os ingressos foram vendidos e se eu tinha data disponível na quarta-feira” O dono do Opinião argumentou que havia vendido todos os ingressos em menos de uma semana e afirmou ter  certeza que segunda noite teria novo sold out: “Infelizmente  Grinbank teve um show cancelado na turnê e queria parte da receita pra ele, como forma de ressarcimento pelo suposto prejuízo, dai o Jeff não topou”. Essa divergência na divisão dos lucros impossibilitou que outra noite histórica acontecesse...

Lopes em 2011. Reprodução 
Entre as curiosidades que circundaram a apresentação, Lopes destaca uma ligação inusitada que recebeu de um fã dos Estados Unidos: “Um cara que me ligou de Nova York pedindo que nós reservássemos o ingresso numero 1”. O desconhecido perguntava se era verdade que o cantor iria se apresentar num local inferior a cinco mil pessoas, algo raro na trajetória de Dylan. E assim, depositou U$ 100 (valor correspondente ao disputado tíquete na época) e pegou o avião rumo a capital gaúcha.  Na manhã do show, ás 5h30 da manhã, Lopes recebe uma ligação do responsável pela limpeza no Opinião:  “Seu Alexandre, tem um gringo aqui no bar pra ver um show. O que faço?”, perguntou o funcionário. Era o nova-iorquino certificando-se se realmente Bob Dylan iria se apresentar naquele local, isso 16 horas antes de Dylan se aproximar do palco do evento.

Passado 20 anos, Alexandre Lopes ainda mantém viva a memória daquela noite. Quem entra na sala de sua casa pode ver um painel gigante com rostos que ilustram várias fases da carreira de Dylan, obra do artista plástico gaúcho Julio Ghiorzi. E o show que movimentou o bar na noite do dia 7 de abril de 1998, foi um advento que não apenas sinalizou uma nova era de visitas de artistas de peso da música internacional ao RS, como para a própria casa de espetáculos porto-alegrense, pois a colocou num outro patamar: “Esse show não mudou apenas minha vida, mas também de todas as pessoas ligadas ao Opinião Bar e Produtora. Foi um divisor de águas. E assim um pequeno bar/produtora de eventos da Cidade Baixa se torna uma empresa que vira referência nacional. Além do mais, foi fundamental para nos  abrir centenas de portas. Quando íamos apresentar a casa pra qualquer artista, bastava dizer o seguinte: Bob Dylan tocou no nosso palco! Alguns não acreditavam. Por iniciativas como essa, passei a acreditar que realizar sonhos às vezes pode ser um bom negócio”.

Veja vídeo de reportagem da extinta TV COM, únicas imagens captadas na noite do evento. Contém entrevistas com Moacyr Scliar, Vitor Ramil e Marcelo Nova. Quem assina é a repórter Luciana Kraemer. As imagens são do cinegrafista Eduardo Mendes. 

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