"LINHA M", NOVO LIVRO DE PATTI SMITH JÁ ESTÁ DISPONÍVEL PARA VENDA
Foto: Jesse Dittmar |
Segue o texto do NYT:
Divulgação Cia das Letras |
Linha M, o novo e
maravilhosamente tocante livro de Patti Smith, é uma balada caleidoscópica
sobre as perdas causadas pelo tempo, pelo acaso e pela circunstâncias. A perda
do marido, o guitarrista Fred (Sonic) Smith, por infarte, em 1994, aos 45 anos.
A perda do irmão, Todd, no mês seguinte, por derrame. A perda de seu primeiro
amigo nova-iorquino e colega de quarto, Robert Mapplethorpe, de AIDS, em 1989.
É um livro sobre a passagem de um tempo em que os filhos dela eram pequenos e
“as coisas em que tocava estavam vivas. Os dedos do meu marido, um
dente-de-leão, um joelho esfolado”, para outro em que ela passa cada vez mais a
registrar e recordar os momentos de sua vida em fotos e palavras — a, como uma
artista, criar recordações talismânicas do passado. Do qual esse livro é uma
delas.
Músicista, poeta e
fotógrafa, aos 68 anos Smith possui um ouvido notável para o som e encantamento
das palavras, sua prosa aqui sendo a um só tempo lírica e radiosamente
figurativa. À semelhança de suas célebres fotos Polaroid em preto-e-branco
(algumas das quais estão dispersas pelo livro), os capítulos de Linha M são
slides de lanterna mágica, saltando, em livre-associação, entre o presente e o
passado, de um assunto para outro. Ela evoca um sentimento nostálgico
(melancolia, que em suas mãos ela transforma em “como se fosse um pequeno
planeta, triscado de sombras, de um azul impossível”) com a mesma maestria com
que conjura sua gata, Cairo (“uma gatinha abissínia com a pelagem da cor das
pirâmides”), ou uma recordação da infância (“uma chaveta para ajustar os patins
nos sapatos de um garoto de doze anos”), ou um tristonho Natal depois do
furacão Sandy na praia de Rockaways (“Bonecos de neve de isopor e sofás
encharcados jaziam jogados no meio das bugigangas”).
Ilustração omakart.ru |
Se a evocativa
biografia de Smith publicada em 2010, Só garotos, concentrava-se em seus
primeiros anos em Nova York, no final da década de 1960 e início da de 1970, e
na sua amizade com Mapplethorpe, este volume é mais peripatético, fazendo a
crônica de suas peregrinações ao redor do mundo e nos recessos de sua
imaginação, embora sempre retornando a sua base familiar em Manhattan. Suas
unidades aqui não são de tempo e de lugar, mas sim a paisagem de sua própria
mente – seus sonhos, recordações, interesse por certos artistas (Jean Genet,
William S. Burroughs, Sylvia Plath), livros (Crônica do pássaro de corda, After
nature, 2666) e séries de televisão (The killing, Law&Order, CSI: Miami).
Como em um poema ou em
uma canção, leitmotivs se repetem sucessivamente: uma cadeira (a de seu pai, a
do romancista Roberto Bolaño, uma enfeitada, de plástico, entrevista em
Tânger); um café (no Greenwich Village, em Rockaways, em Berlim), as muitas,
muitas xícaras de café bebidas pela autora em sua casa e em qualquer lugar para
onde viajasse.
Muitas das viagens de
Smith são quixotescas, para dizer o mínimo. Ela e Fred viajaram para St.
Laurent-du-Maroni, uma pequena cidade de fronteira a noroeste da Guiana
Francesa, só para que ela pudesse visitar as ruínas de uma prisão colonial
francesa ― porque Genet escrevera com reverência sobre o lugar uma vez, e ela
queria recolher algumas pedras do local e mandar pra ele.
Na condição de membro
do Continental Drift Club ― uma sociedade obscura dedicada a Alfred Wegener, um
explorador que foi pioneiro da teoria da “deriva continental” ―, ela viajou até
Reykjavic, na Islândia, para um congresso, e ficou por ali para fotografar a
mesa usada na competição de xadrez entre Bobby Fischer e Boris Spassky em 1972.
Um encontro entre ela e Fischer foi arranjado, e depois de ela se levantar pra
ir embora depois de uma das piadinhas obscenas de Fischer ― “Eu posso ser tão
repugnante quanto você, só que em assuntos diferentes”, ela lembra ter dito ―,
eles acabaram por passar várias horas cantando juntos músicas de Buddy Holly e
de outros artistas, para espanto do guarda-costas de Fischer.
Foto: Annie Lebovitz |
Há algo de etereamente
surreal ou onírico nas muitas aventuras de Smith. Ela e Fred são mantidos sob a
custódia da polícia durante sua viagem à Guiana Francesa depois de os policiais
terem tirado do carro o motorista que eles haviam contratado ― e que se parece
com um extra daquele filme jamaicano, Balada sangrenta, trajando “óculos
escuros Ray‑Ban,
boina de lado e uma camisa de estampa de leopardo” ― e descobrirem um homem
amarrado no bagageiro do carro. Ela leva consigo o Crônica do pássaro de corda,
de Haruki Murakami, numa viagem até a Cidade do México, onde fora para proferir
uma conferência sobre a pintora Frida Kahlo, e não vê “a hora de comer comida
mexicana, mas o cardápio do hotel era dominado pela culinária japonesa”.
Durante suas viagens,
Smith faz peregrinações aos túmulos dos escritores que ela admira: Brecht,
Plath, Rimbaud, Genet. Os fantasmas desses artistas assombram essas páginas,
assim como os espíritos de seus amados esposo e irmão. E uma melodia sombria de
perda trilha seu caminho por esse volume. Seu casaco favorito ― perdido. Seu
livro predileto de Murakami ― esquecido no banheiro do aeroporto. Sua máquina
fotográfica mais querida — deixada numa praia. Seu café favorito do bairro ―
fechado. Smith compra uma pequenina casa perto da praia de Rockaway, no Queens,
e enquanto ela de algum modo sobrevive à passagem do furacão Sandy, Smith
contempla a miríade de perdas de seus vizinhos — o passeio reduzido a farpas, o
café de um amigo, destruído, centenas de casas totalmente destruídas ou
inundadas.
Foto: divulgação |
Se Só garotos era sobre
os primeiros passos de uma artista e sobre se estabelecer no mundo, Linha M dá
mais a impressão de um olhar para o passado por um espelho retrovisor. Smith
escreve sobre sentir “saudades de como as coisas eram”, sobre fantasmas nos
impedindo de viver o presente, sobre cantar “What a wonderful world” para Fred
em seu velório, e sobre perceber que ela é agora mais velha que Fred quando ele
morreu — e mais velha que muitos dos seus amigos falecidos.
“Vou me lembrar de
tudo”, ela reflete, “e vou escrever tudo isso. Uma ária a um casaco. Um réquiem
a uma cafeteria.” Uma eloquente — e profundamente comovente — elegia para o que
ela “perdeu e não consegue mais achar”, mas que pode rememorar em palavras.
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