REVIEW: Shelby Lynne and Allisson Moorer "Not Dark Yet" (2017)

Foto: Reprodução
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Por Márcio Grings 

Mesmo que Shelby Lynne (48) não seja uma cantora country tradicional (e talvez por isso), há vários anos Shelby é minha musa country. Álbuns como "Just a Little Lovin'" (2008) e "Tears, Lies and Alibis" (2010) não saem do toca-discos aqui de casa. Uma cantora que parece nunca forçar a barra. Seu visual, muitas vezes aparentemente descuidado nos vídeos e fotos, sem maquiagem, ou até mesmo a música que faz, sem enfeites, sempre me soou verdadeira. Sua irmã, Allisson Moorer (45), compôs temas bonitos como “A Soft Place To Fall”, música que conheci do filme “O Encantador de Cavalos” (1998). Nascidas no interior do Alabama, Shelby e Allison testemunharam ainda muito jovens uma tragédia indescritível: o pai assassinou a mãe e logo depois se suicidou. É claro que com um infortúnio desse calibre, os capítulos a seguir de suas vidas não devem ter sido fáceis. Porém, traumas a parte, ao passar dos anos, elas venceram em suas carreiras. Extratos desse sucesso: Shelby ganhou o Grammy (2001) e Allisson concorreu ao Oscar de Melhor Canção (1998). Em 2010, a dupla chegou a fazer uma turnê conjunta e ensaiou o lançamento de um álbum coletivo. O projeto acabou abandonado. 

Allisson e Shelby. Divulgação
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Agora, em 2017, eis que nos surge “Not Dark Yet”, o álbum de Shelby e Allisson. Produzido pelo músico e produtor Teddy Thompson, filho do casal Richard e Linda Thompson, e que escolhe tons pastosos e pantanosos para emoldurar a música que produz, ao estilo de Daniel Lanois (Willie Nelson, Peter Gabriel). No elenco ainda temos nomes de peso como Doug Pettibone (violão e guitarra), o ex- Tom Petty & Heartbreakers Benmont Tench (teclado) e Ben Peeler (violão de aço), entre outros. 

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E as irmãs escolheram a dedo o repertório a ser gravado. Versando na linhagem tradicional do country, elas releem temas de nomes como Jessi Colter, Townes Van Zandt, Merle Haggard, Jason Isbell e Amanda Shires. No entanto, também se arriscam fora do abecedário do gênero. É o caso de "Into My Arms" (Nick Cave) e "Lithium" (Nirvana), os dois momentos menos inspirados do disco, talvez pelo excesso de reverência. Já “My List” (The Killers), ao contrário, triunfa ao soar como uma perfeita canção do evangelho country, quase tocando o santo solo do gospel. "Every Time You Leave", um tema composto pelos Louvin Brothers no final dos anos 1950, funciona perfeitamente para o vocal em duo das irmãs. A faixa-título, uma releitura de Bob Dylan advinda do celebrado “Time Out Of Mind” (1997), além de ser umas das minhas canções prediletas do bardo, mantém o tom etéreo da versão original, algo entre o desânimo e a esperança.

"I'm Looking for Blue Eyes" mantém a áurea do country ressacado dos anos 1970. “Lungs”, música que conheci na trilha sonora da série “True Dectetive”, soa tão perigosa e apocalíptica como o tema original. Canções como “The Color of a Cloudy Day" e “Silver Wings” ecoam uníssonas ao DNA country das cantoras, perfeitamente envoltas numa íntima familiaridade.

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Única música original dessa leva, "Is It Too Much", emerge nos últimos 5 minutos do álbum trincando nossos ouvidos como um sussurro de éter. A faixa começa como se estivesse terminando. Ao intercalar das vozes, as frases se cruzam sem se completar. Como um truque barato de mágica... Está muito claro - algumas questões da letra provavelmente nunca sejam respondidas: "Is it too much to carry in your heart?" 

Ao ouvir “Not Dark Yet” (não escureceu ainda, em tradução literal), me sinto tomado por um sentimento nostálgico, como se essas canções fossem nebuloso fachos de luz entre a bruma de uma realidade musical completamente diferente do universo proposto por Shelby e Allisson. E justamente nesse desalinho está a grande virtude de "Not Dark Yet", já que as rádios não irão tocá-lo mesmo,  um álbum com pré-requisitos de sobra para ganhar um lugar de luxo na sua estante.

E dá-lhe Spotify! Só clicar e curtir. 
 

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