Legião Urbana XXX Anos: A noite em que Porto Alegre reencontrou Renato Russo


André Frateschi mostra competência e segurança nos vocais (Foto: Tadeu Vilani/Agência RBS)






Pra mim, a realização de um sonho. Pra muitos, um reencontro. Esse foi o clima da noite na última sexta-feira (11), em Porto Alegre, durante o show Legião Urbana XXX Anos. A turnê vem percorrendo o país e emocionando gerações de legionários. Com o Pepsi on Stage lotado, pais&filhos, quarentões e amigos de longa data tiveram uma noite de celebração.  Eu fui uma expectadora ativa em um dos espetáculos mais lindos que já vi, no quesito interação banda/público.

Marcado para começar às 22h, a banda – liderada pelos dois integrantes remanescentes e da Legião – Dado Villa-Lobos (guitarra) e Marcelo Bonfá (bateria) – subiu ao palco com meia hora de atraso. Seria tempo suficiente pra causar desconforto na plateia, mas a expectativa do que estava por vir não tirou ninguém do sério. A banda chega e ouvimos os primeiros acordes de “Será”. Nos vocais, o competente e carismático André Frateschi, ator e cantor paulista recrutado por Dado e Bonfá para cumprir a honrosa missão de nos emocionar. Frateschi é na medida: em nenhum momento tenta ser Renato Russo (impossível), nem tampouco reproduz trejeitos vocais ou gestuais. Ele apenas é. Ele está ali. O vocalista é fã assumido e tem uma relação de afeto com a banda, ele segurou a onda e estava ali com a gente, inteiro e entregue. Curto muito quando isso acontece. 


O show segue e a banda, formada por Lucas Vasconcellos (guitarra), Mauro Berman (baixo) e Roberto Pollo (teclados) mostra a que veio. A sintonia entre os músicos é visível e dá pra perceber que todos estão ali prestando um tributo a uma das bandas mais cultuadas do rock nacional. Depois de “Será”, as músicas são executadas na íntegra e na mesma ordem em que aparecem no disco. As surpresas vêm chegando aos poucos, quando percebemos os revezamentos entre os vocais: Dado canta “A Dança” (faixa 2), Frateschi manda ver em “Petróleo do Futuro” (faixa 3) e Bonfá, ali mesmo da bateria, canta lindamente “Ainda é cedo” (faixa 4). A partir daí, a catarse estava estabelecida no Pepsi on Stage. Já não éramos tão jovens, mas tínhamos todo o tempo do mundo. Na sequência vem “Perdidos no espaço”, “Geração Coca-Cola”, “O Reggae”, “Baader-Meinhof  Blues” (destaque para um solo de guitarra ensandecido de Dado Villa-Lobos), “Soldados” e "Teorema".

Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá: remanescentes (Foto: Tadeu Vilani/Agência RBS)

A primeira parte do show termina com “Por enquanto”, mais uma linda interação entre banda e público. E antes que a plateia pensasse em recuperar o fôlego, a banda segue com “Tempo perdido” (uma das músicas da Legião que mais me emocionam). E foi aí que chorei pela primeira vez. Na sequência vem “Daniel na Cova dos Leões” – outra música emblemática pra mim – e percebo que continuo no nível máximo da emoção. Já não sei se choro ou dou risada, tamanha a felicidade que me invadiu. É nesse momento que o bom fã agradece ao Universo pela oportunidade de estar diante de seus ídolos da adolescência. É quando a música te arrepia da cabeça ao pés e te conecta com o passado, com tuas memórias, com pessoas, lugares e experiências que talvez nunca mais voltem a acontecer. É o poder da música, sempre ela.

O público foi um show à parte (Foto: Tadeu Vilani/Agência RBS)
A partir daí, o show segue contemplando o público com clássicos e convidados especiais. Novos talentos se apresentam, como a jovem Marina Franco (da banda carioca Glass and Glue) cantando “Dezesseis”. A guria não impressionou muito, mas ela conseguiu conduzir o público em um bonito coro cantando “bye bye Jhonny”, entre palmas. Depois dela, Dado apresenta o cantor cearense Jonnata Doll (Jonnata Doll & Os Garotos Solventes). Uma figura meio Iggy Pop que mostrou segurança ao cantar “Fábrica” numa versão visceral e explosiva. Frateschi entra então com “Eu sei”, abrindo caminho pra veterana Paula Toller (Kid Abelha) cantar “Antes das seis” e “O mundo anda tão complicado”. Linda, cada vez mais linda e bebendo da fonte da juventude, a cantora marcou o momento fofo do show com algumas das (tantas) canções de amor escritas por Renato Russo. No entanto, Paula foi Paula, mais bonita de se ver do que se ouvir. A festa segue com o Pepsi inteiro entoando “Pais e filhos”, cantada por Bonfá e dedicada ao filho, João Pedro, e ao filho de Paula Toller, Gabriel, ambos de aniversário. Depois vem “Angra dos Reis”, “O teatro dos vampiros”, “Quase sem querer” e a última, antes do intervalo, “Índios” (essa em um bonito revezamento nos vocais de Dado, Bonfá e Frateschi).


Renato Russo, que se encantou em 1996, foi com certeza a figura onipresente do show. Seja nas imagens projetadas no fundo do palco (o baixista Renato Rocha, morto em fevereiro desse ano, também foi lembrado na parede), seja no áudio que ouvimos durante o intervalo. Atento, o público ouve o discurso de Renato falando sobre Legião Urbana, a amizade e o poder da música. E a audiência aplaude. Aplaude muito. Renato estava ali e a verdadeira Legião Urbana éramos nós.

Dado assume os vocais em clássicas da Legião (Foto: Fabiano do Amaral/Correio do  Povo) 
Intervalo curto, a velha firula do “mais um, mais um” e a banda volta ao palco. Dado então anuncia: aí vem uma música com nove minutos. “Faroeste Caboclo” incendeia e todas as suas vinte e nove estrofes inteiras são cantadas em uníssono por pessoas de todas as idades. Mentira, André Frateschi pulou a parte que João de Santo Cristo afirma não botar bomba em banca de jornal. Ninguém reclamou. O paulista cantou e interpretou cada a frase da saga imaginada por Renato na capital do país.  Depois dessa epopeia, Dado apresenta a banda. A surpresa, pra mim, foi ver a gigantesca salva de palmas dedicada à Frateschi. Posso estar enganada, mas parece que ele não esperava aquela consagração toda. O cara não é Renato, não tem a intenção de ser, nunca conseguirá, Dado e Bonfá não estão reinventando a Legião Urbana, mas André Frateschi estava ali para que a magia de sentir Renato Manfredini Junior mais perto de nós fosse possível. E ele conseguiu.


A noite vai chegando ao final com “Perfeição” - precisamos cada vez mais “celebrar” a estupidez humana - e o sonho acaba com a sempre atual “Que país é esse”. Nunca na minha vida uma noite foi tão aproveitada em cada segundo. Nunca voltar ao passado foi tão lindo. Obrigada Porto Alegre, obrigada Legião Urbana. “Urbana Legio Omnia Vincit”.

A banda e participações especiais. (Foto: Carla Mendes)


Comentários

  1. Eu assisti o show em Floripa, mas a emoção descrita por você também foi sentida por mim. Que show!!!

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  2. Linda resenha, Ana, não tão emocionante quanto o show em si, mas muito bem escrita e gostosa de ler, além de sincera e honesta! Parabéns!

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