ENGARRARAFANDO O VENTO

Eu ainda continuo acreditando. Juro! Como se fosse uma espécie de segunda vinda do Messias. Eu sei que um dia vai acontecer. VAI! Também imagino perdão, mesmo não estando em dia com minhas orações e promessas, e o pior: não tem nenhum tipo de desculpa que possa justificar minha negligência com o Velho. E até comigo mesmo...

É sempre assim: prometo, e acabo cumprindo as coisas pela metade. Sou falível. Porém, me esforço. Imagino que sim. A existência humana é uma trajetória ininterrupta de provações. Vez ou outra nós nos espatifamos, nos esborrachamos em ilusões, pistas em declínio e paredes intransponíveis.

É claro que continuo alimentando expectativas demasiadas em fatos que se revelam uma decepção plena. Eu próprio, tanto já decepcionei o outro e principalmente pessoas que tanto amava e bem queria. A natureza das coisas nos devolve na mesma moeda. É justo. Tenho a nítida impressão que tudo se resume em tão pouca satisfação. O resultado de muito esforço gera algo que quase sempre não merece nem ao menos ser mencionado como uma lembrança fútil qualquer.

Eu ainda continuo acreditando. Talvez não. Sabe, tenho minhas convicções. Por exemplo, preciso esvaziar duas ou três porcarias dentro e fora de mim, como também empinar algumas pipas supersônicas que nunca saíram do chão. Normal. Chutar algumas bundas. Aliviar todo esse peso. Ficar em silêncio, bater boca, esbofetear o primeiro fantasma que ouse fazer um buuuuh... Engarrafar o vento antes que ele se bandeie para o lado de lá.

Do lado de cá, as coisas parecem estranhas.

Entretanto, estranhezas muitas vezes convergem em revelações previsíveis. Um frio tenebroso trinca os ossos e nos obriga a acender o fogo antes do sol derreter atrás do telhado.

Olhei pra uma folha de papel em branco e desisti de rabiscá-la antes de descobrir se poderia vencer o desafio. Fraquezas muitas vezes precisam ser reconhecidas no ato. Vai que nos iludamos com a possibilidade ilusória de que “quem sabe poderíamos ter chegado lá”. Tô fora dessa história mal resolvida. Preciso de um gole de aguardente misturado com mel campeiro.  Se não tiver, bebo qualquer coisa.

Por isso...

Eu ainda continuo acreditando. Nada permanece igual por muito tempo. Pra pior, ou pra melhor. Igual uma tropa de animais prosseguindo lentamente através de uma viela muito estreita, naquela curva, antes do rio, o troço uma hora afunila. Daí, nesse apertume, tudo se resolve. Eu sou o guia. Vou ajudar o bicharedo a cruzar nos pedregulhos.

Um dia desses, engarrafo o vento dentro de um vasilhame verde, daqueles antigos, torneados, um vitrô de quintal que não tem medo de franquear o sol. A luz bate no vidro e joga raios amarelo esverdeados no galpão e na minha cara. Daí, eu vou encostar o ouvido na garrafa, fechar os olhos e imaginar que alguém vai me contar uma nova história. Algo bonito, que me lembre dos meus tempos de moleque, quando tudo parecia mais fácil. Dias em que o vento não precisava ser aprisionado.

Hoje eu não sei mais de nada.

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