TELA DE FUNDO PRETO COM INCRÍVEIS LEDs EM VERDE


Eu sempre fui adicta da tecnologia. Viciada em tecnologia da informação, bruta, muito antes disso existir para nós. Junkie for a technology fix. Muito antes de eu conseguir dormir no meu quarto sozinha - dormia próximo a meus pais por conta das minhas constantes crise de asma - lá estava eu, quando todos dormiam e não havia mais uma luz acesa, facinada, desmesmorada, chocada e deslumbrada com aquela calculadora da Casio onde você digitava os números e tudo aparecia mágicamente naquela misteoriosa tela de fundo preto com incríveis leds em verde. Preste antenção: Eu disse verde! Pure magic. Eu conseguia colocar embaixo de uma fronha pra não clarear o quarto e ainda assim podia ver aqueles numerozinhos vagalumes brilhando pra mim. Assim se passavam as horas entre deitar e pegar no sono. 

Eu me lembro do cheiro de tecnologia japonesa de ponta daquela coisa. Fuck. Até de como era passar o dedo pelas teclas e a diferença entre os materiais que formavam o logo e o design daquele unicórnio santo do universo. Eu podia fazer qualquer conta em qualquer lugar e saber que estava tudo correto. Podia levar na mochila! E como era linda. Aff. Na parte de trás, a tampinha que segurava suas pilhas robustas, tinha sumido. Só de pensar na minha mãe usando aquilo sem prestar a mínima atenção, derrubando no chão, espatifando, batendo por tudo quanto é canto. Tinham profanado a minha minha pérola do Universo. Lembro até hoje dessa sensação, de ver um objeto tão poderoso na mão de uma pessoa que não fazia idéia de como aquilo era sensacional. Quando as pilhas iam acabando, o led verde ia ficando fraquinho, fraquinho, até morrer. Doía. 

Com o passar dos anos, fomos nos separando. Repentinas buscas intermináveis pela casa até achar a dita cuja ainda aconteciam. Ela envelheceu. Foi inevitável. Aos poucos, foi perdendo lugar para outras - novidades - da tecnologia: Genius, Pense Bem, Odyssey, Atari, Game Boy, Agenda Eletrônica, tudo, tudo me tomava horas a fio de puro autismo (des)controlado. "Só mais um poquinho, pra eu (não) poder dormir (nunca mais)". "Imagina mãe, quando eu quiser eu paro". "Não, eu não gastei todo dinheiro do lanche comprando - pilhas, baterias, cartuchos, livrinhos- não! Eu juro!"

O poder daquele botão ON era inenarrável. A sensação de ver aquilo brilhando na sua frente ESPERANDO prá fazer (quase tdo) o que você quiser, do jeito que você quiser, na hora que você quiser é insuperável. Eu posso imaginar a minha cara de idiota babona olhando praquela tela. Era saber que você e aquela pessoa imaginária Tailandesa poderiam estar fazendo a mesma coisa na mesma hora. E apesar de não se conhecerem e não se comunicarem, e não falarem a mesma língua poderiam passar pela mesma exata experiência. E poderiam falar sobre ela sem nenhum impedimento: condição financeira, idade, cor, popularidade, religião. Globalizou. 

E então, Personal Computer. RIP noites de sono ad eternum. Nunca mais dormi na vida. Eu PRECISAVA entender como TUDO AQUILO funcionava. Precisava. Adeus planos de ser jornalista. Hello! 

euprecisofazerpartedissoeupossotudocomissoquerofazerdetudoumpocoeamanhaquerosaberaquelacoisalaqueeuviontem - 
Skip. 

Ipod, Macbook, Ipad, Iphone, IFuck. Vou trocar um adesivo daqueles americanos de "Im a proud father" por um "I'm a proud owner". This shit never lets me down. O que me leva pro dia de hoje. Deitada aqui fazendo o mais impensável dos impensáveis. Devorando um livro com farinha no Ipad. Eu resisti. Eu tentei. Eu me recusei. Eu demorei. Eu queria me convencer de que nunca me separaria dos meus livros. Que eles eram mais legais. Não deu. Adeus, amigos. Foi bom enquanto durou. 

Minha casa quase não tem mais coisas. Não tenho mais cd's, a estante de dvds ocupa um espaço ridículo na sala. Os amigos que vão em casa e resolvem pegar um na mão vão pra casa com um presente. Eu não preciso mais dessas coisas físicas.Não preciso de muitas coisas. Não preciso de muitas roupas, muitos sapatos, tralha, DVDs, CDs, livros. 

É tanta "bagagem" que parece que existe por geração expontânea: vc não sabe muito bem como chegou ali, e toda vez que vc tira aparece outro. Não preciso de todos esses objetos. Preciso do meu cachorro, de tecnologia portatil, minha câmera, e meus discos por que ninguém é de ferro. Você pode pensar que eu sou "antiga" por que gosto de discos, mas é justamente ao contrário.

Aquela mágica, aquela tecnologia é e sempre vai ser incrívelmente bela. Poesia. Posso ir e vir de qualquer lugar, morar em qualquer cidade, viajar, trabalhar daqui ou da PQP. 

Tudo é minha casa. Posso ler, ouvir musica, ver filmes, estudar, criar, editar, refazer, mudar, gravar, regravar. Aprender. Em qualquer lugar e em qualquer hora. Tudo o que eu mais gosto pode ser reproduzido ali. 

Vejo pessoas constantemente reclamando da tecnologia, comprando gadgets sem saber usar, e não fazer a mínima questão de aprender. 

Reclamando de como tudo era melhor antes, como tudo era mais incrível e de como o céu era mais azul, e a água mais límpida naquela época em que a gente trocava dinheiro por uma ficha, pra ficar esperando em uma fila, pra telefonar na rua práquele seu brother do outro estado, e que terminava a conversa no meio da segunda frase, pq DDD era caro, e ninguém tava esbanjando assim. Quem sabe esperar por aquela carta contando as notícias do mês passado. Ou mesmo o programa de TV que passava imagens "quentinhas" da Califórnia mostrando novidades em primeira mão de QUATRO MESES atrás.

Maybe not.

Talvez você seja um idiota e, como minha mãe, não consegue enxergar o que você tem nas mãos. O poder e autonomia que isso fornece à você. A tecnologia não trabalha contra você. Informações conectadas = conhecimento. Bingo.

Aprende, amigo. Aprende a usar a possibildade a seu favor.  Tecnologia NÃO é STATUS. Tecnologia é liberdade. Tecnologia é uma extensão de você. Se o que você faz com ela é merda, I've got news for you, darling... Talvez, smart aqui, seja apenas seu telefone. Valeu Casio. Valeu mundo. Agora vou usar vocês. Ao mesmo tempo.













A autora do texto, Sabrina Prado, 34, é designer e fotógrafa. Nascida em Santos e paulistana por opção, ela se declara discípula fiel de Bob Dylan. 

Segundo suas palavras: "ainda acredita em pequenas gentilezas".

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