Quantas vezes eu ainda vou esquecer?


Crônica #60 publicada no Diário de Santa Maria 20/09/2013 | N° 11795

A memória é uma coisa estranha. Com que frequência somos traídos por ela? Por que será que nos lembramos de certas coisas que aconteceram há 20 anos, e, muitas vezes, apagamos da mente o que vivemos (dissemos) há apenas 20 minutos? Fico encasquetado com esse troço. Aconteceu de novo, pois não me recordo do que comi no almoço de ontem. Purê de batatas ou mandioca frita? Essa recorrente história de ficar se esquecendo de tudo é algo que faz parte de mim. E tem tempo. Desde criança sou assim, esquecido. Ganhei fama como tal. No trabalho, em casa, em todos os lugares. Nasci com o maldito gene do esquecimento borbulhando nas minhas células. E por isso, sou referência nesse quesito. 

Dizem algumas crenças orientais, que, quando morremos, nosso espírito ainda está atrelado ao que vivemos aqui na Terra. Dessa forma, em uma espécie de treinamento no Mundo Astral, por anos e anos precisamos apagar da memória (espiritual), toda a experiência que tivemos. Sim, coisas como o próprio nome, pessoas de nossas relações, amores, sabores preferidos, aromas, enfim, todas as marcas e lembranças dessa vidinha material. Beleza, isso pelo menos me conforta. O recado é que não adianta mesmo lembrar-nos de droga nenhuma, pois, quer queiramos ou não, o Criador vai apagar tudo da nossa cuca. Então, só nos resta relaxar e gozar a experiência de esquecer. Pelo menos, dessa forma, já estaremos em sintonia com o lado de lá. Conclusão: como senhor do esquecimento, sou um facilitador. Você se lembra daquele dogma do não-apego budista? Pois é, não se apegue! Esqueça tudo de bom e de ruim, e assim, sofra menos.



Fácil dizer, não é? 

E lá vou eu, pela milésima vez, ficar procurando a chave do carro por um bocado de tempo para, logo depois, encontrá-la dentro do bolso da jaqueta. Quantas vezes eu ainda vou me esquecer de pagar uma conta por puro esquecimento mesmo? E dá-lhe juro! Quantas vezes eu ainda vou esquecer a senha daquela minha conta no Pay-Pal?Qual é o nome da marca do amaciante de roupas preferido da minha mãe? Que piada! De novo esqueci qual o meu signo ascendente. Que disco do Bruce Springsteen tem Drive All Night? Preciso ouvir aquela música. Aonde guardei aquelas 100 pratas que ganhei num trambique? Qual o nome daquele cara chato que vive me aporrinhando no Facebook? Em que tom eu toco Heart of Gold do Neil Young? Putz, que horário preciso tomar o meu guaraná cerebral? Qual é o nome do meu médico? Mário do que, mesmo?! Que idade vai fazer a minha avó? Qual a receita daquela maionese sem azeite? Preciso lembrar-me de colocar aquele pacote nos Correios... 

O que eu ia te dizer, mesmo? PQP! Droga de memória. Preciso atravessar esse Mar do Esquecimento. 

Mas afinal: com quantos paus se faz uma canoa?


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