O gaúcho de lenço vermelho

Crônica #61 publicada no Diário de Santa Maria 21/09/2013 | N° 11796

Nunca gostei de nenhum tipo de desfile. Eu sempre acho que há dissimulação e demasiada teatralidade naquilo que se projeta frente a nossos olhos numa situação dessas. Seja um desfile de modas, de escola de samba ou Dia da Pátria, não consigo entrar no jogo lúdico de apreciar esse tipo de parada. No entanto, por duas vezes em minha vida, precisei superar esse bloqueio e depreciação. E da pior forma possível. No 7 de setembro de 1977, aos 7 anos, desfilei pela minha escola. Lembro que o sapato me causou um desconforto materializado num calo dolorido. Não foi fácil marchar infantilmente com o pé doendo. Pouco mais de uma década depois, já como soldado, na época em que servi à Força Aérea Brasileira, também fui convocado a desfilar. Recordo que, em plena marcha quase em frente ao palanque principal, consegui ver meus pais entre centenas de pessoas. Infelizmente, eles não conseguiram me identificar frente a inúmeros uniformes idênticos. A verdade é que poucas vezes me senti tão deslocado de algo. Em suma, não gosto de desfiles, seja participando, ou como expectador. 

Ontem, tivemos o desfile de 20 de Setembro em Santa Maria. E num real exercício de altruísmo, lá fui eu levar meu filho para apresentá-lo à experiência de ser um dos 15 mil espectadores da celebração do Dia do Gaúcho. O pedido foi dele. Essa é a data que relembramos o mais lendário dos embates históricos do nosso Estado, e todos nós estamos cansados de saber: perdemos a droga de guerra com a União, mas por outro lado, através dessa cisma, forjamos nossa autêntica identidade gaúcha. 

O céu cor de chumbo na manhã dessa sexta-feira promoveu um belo contraste com indumentárias masculinas, vestidos de prenda, homens que representam o espírito de uma época, belas mulheres com sorrisos resplandecentes, crianças que desde muito cedo já se mostram identificadas com o legado de nossos antepassados. Olhando pelos olhos do meu guri, pela primeira vez, posso dizer: acho que entrei no clima e dei uma de verdadeiro espectador. 

No decorrer da manhã, alguns pingos de chuva esparsos emprestaram certa dramaticidade ao trote dos cavalos e também ao lento deslize das rodas das carroças pelo asfalto da Avenida Medianeira. A água que acumulava na aba dos chapéus formava um pinga-pinga desordenado que coreografou sobre as imagens dos cavalarianos. Chamou minha atenção o rosto de um homem grisalho de meia idade, semelhante a um caubói (em um daqueles filmes de faroeste), – como que a tocar o gado frente à correnteza de um rio caudaloso. 

E eis que um dos cavalos tastaveia no piche e cai. Seu cavaleiro, vestido de preto, desaba no chão molhado ao corcoveio do animal. Rapidamente outro participante, esse com um destacado lenço vermelho no pescoço, prontamente salta de seu cavalo, segura a rédea do outro bicho, e assim, contorna uma situação que poderia oferecer algum perigo tanto ao público, quanto aos envolvidos. Logo o homem de preto já se posicionou novamente sobre a sela, aparentemente sem nenhum arranhão. Foi apenas um susto. A dupla selou a parceria com um aperto de mão. 

Tudo isso aconteceu a centímetros dos meus olhos e de dezenas de pessoas próximas a mim e ao filho. Aquilo não foi teatro, não foi planejado, foi a vida real, que ficará registrado para sempre na memória de quem presenciou a cena. Foi bonito de ver. 

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Falando na cultura rio-grandense, eis um som tradicionalista que vale o clique: Bebeto Alves cantando "Milonga abaixo de mau tempo", letra e música de Mauro Moraes.  

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