Se eu fosse um lenhador e você minha dama



Crônica #50 publicada no Diário de Santa Maria 05/07/2013 | N° 11729

Tem uma música de Tim Hardin (...) a letra meio que passa a impressão uma cena pastoral envolvendo um casal em alguma época perdida no tempo. O personagem masculino da canção teme que a escolha por uma vida mais simples possa afastá-lo dos seus. E para isso, supostamente ele se torna um carpinteiro, um homem humilde que se realiza esculpindo a madeira ou fazendo serviços braçais para ganhar o pão de cada dia. Assim, esse sujeito se isola com a mulher amada num lugarejo fora do mapa. Pena que isso não passa de um sonho hippie. 

Já você é uma típica figura do mundo moderno. Como muitos de nós, está sujeito a truculência do capitalismo. Faz mil coisas para pagar as contas, e apesar disso, no final do mês, acaba percebendo que mais uma vez... Quaaase chegou lá. É... Não foi dessa vez, meu bem! Isso na verdade rouba toda sua energia. E aí entra novamente a letra de If I Where A Carpenter. O cara da música vive um dilema parecido, e de seu esconderijo nada idílico, pergunta a mulher que está ao seu lado: “Se eu fosse um funileiro por ofício/ainda assim você iria segurar à barra ao meu lado/quem sabe, carregar as panelas que eu fizesse/seguindo atrás de mim sem reclamar?”. Tem outra parte que diz: “Se eu fosse um moleiro/consertando as pás do moinho/você sentiria falta do seu mais belo vestido e daqueles sapatos macios e reluzentes?”.




Essa droga de vida nos joga no liquidificador e sacode cabeças com a velocidade de uma Ferrari a 300 por hora. 

Da mesma forma que reinventa a letra de Tim Hardin, ele imagina que poderia ser um lenhador. Agora trabalha dentro de uma mata de pinheiros por 50 cents ao dia. Um personagem messiânico que derruba árvores centenárias. Um paladino que palita os dentes dessa floresta cheirosa e inundada de vultos milenares. Gosta de ver os troncos desabando e abrindo brechas no meio do vale das sombras. E só assim cumpre sua missão: – favorecer o livre acesso dos raios de sol.

 

No final da tarde, ele guarda seu machado e volta para a cabana onde vive. Do alto da estrada, vê a pequena chaminé fumegando uma fumaça branca que aos poucos vai se juntando as nuvens dopadas do mais belo entardecer de todos os tempos. Abre a porta e vê sua mulher, que o recebe com um sorriso equivalente a mil sóis – uma soma de inúmeros lumes semelhantes ao que viu naquela manhã. Beija o rosto da amada e sente sua pulsação soando mais forte. Recostado ao ombro dela, percebe a cortina bailando com os batimentos cardíacos do vento. O último suspiro de um dia que anuncia a melhor das noites.

Boom! Um foguete. Gritos de ordem. É despertado pelo barulho dos manifestantes. Bem-vindo ao século 21, baby! #ByeByeSoLongFarewell Pura balela! Em um de seus livros, J.D. Sallinger inventou a melhor das profissões. Um sujeito que protege as crianças a não caírem em um precipício próximo a um campo de centeio. Enquanto elas brincam, o cara não tira o olho do criaredo. Ele se candidataria a trabalhar num troço desses.

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