Cada um tem o Bob Dylan que merece

Crônica #51 publicada no Diário de Santa Maria 12/07/2013 | N° 11735

Ele pega o telefone e fica olhando para o aparelho. Um misto de ímpeto e dúvida. No meio da muvuca do shopping, sentado na praça de alimentação, começa a ligar para um número qualquer. Você olha para o cara, e, de prima, vê que o cidadão não passa de uma piada. O que são aquelas calças jeans folgadas? Tecla metade da numeração e para... Dispersa. Olha as redes sociais, abre o álbum de fotos e compartilha uma lembrança do ano passado, mas como se fosse vivida naquele momento, saca? Na verdade, quando se compreende que a vida é repleta de armadilhas, muitas vezes é tarde para retroceder. A mesma joia que grifou a marca do entusiasmo na retina, detona com toda confiança quando a luz migra para a opacidade. Com o passar dos dias, nenhuma espécie de cuidado ou zelo podem abrir o brilho de um falso brilhante.

Continua fuçando no celular. Essas máquinas de hoje são repletas de idiossincrasias. Você carrega a Bíblia em versão Android e o número de uma prostituta na mesma tela. E não me olhe com esse olhar de surpresa, seu hipócrita de meia tigela! Quem nunca pecou que atire a primeira pedra. E qualquer um adora lançar uma pedrinha no telhado de vidro do vizinho, não é? Mas daí, meu, o tal efeito bumerangue vem que é um Dodge pra cima dos seus cornos, e é quando se lembra da implacável lei do eterno retorno. Tu que vai, volta. Tudo que sobe, desce. Tudo que sopramos pra lado de lá, um dia volta para o lado de cá. Ainda batendo na pinha dos clichês: “O que aqui se faz aqui se paga”, não é assim que as coisas são? “Olho por olho, dente por dente?”.

E o cara continua no seu mundo particular, como uma espécie de autista honorário. Acho que ele ‘tá jogando aquele game estúpido dos passarinhos e estilingues. Pra completar o quadro, coloca o fone de ouvidos e dispara uma música da Ana Carolina no talo. Dá pra ouvir aquela letra idiota que fala de um descornamento comum a tantos de nós. Música ridícula! Que tipo de ser esverdeado gosta de uma música como essa? Mais intragável, só se for uma Maria Gadú, o maior engodo dos últimos tempos da MPB. E o pior: meio mundo engole essas duas e mais um duzentos do mesmo naipe sem tomar um antiácido. Haja estômago de avestruz. Deus do céu! Não se engane - Nosso Pai Celestial ouve Crosby, Stills & Nash no café da manhã, Gustavo Telles no almoço e Free nas noites de sábado. Ok, ‘tá certo, igual a Ele, você também tem o direito de se perder no Expresso de Marrakesh.

Enquanto isso... Nosso personagem cria coragem e disca a sequência completa de números que o conecta com o “a-l-ô-u” de uma voz feminina. Um tom piadista lhe responde, separando as letras como se inventasse um novo sotaque gringo. Ele desliga. Não teve coragem de falar uma sílaba sequer. Seleciona um som da Legião Urbana, assesta os fones no ouvido e sai caminhando rumo à saída do shopping.

Bom, cada um tem o Bob Dylan que merece.

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