O visitante




Crônica #48 publicada no Diário de Santa Maria 21/06/2013 | N° 11717


Ao desembarcar, seu corpo rapidamente é tomado pela poeira. Enquanto o ônibus se vai, a estrada desaparece imersa numa nuvem vermelha. Bate com as mãos nas pernas limpando a calça jeans. Ajusta os óculos escuros, coloca o boné e posiciona a mochila nas costas. Pluga o fone no celular e escolhe um MP3 de Willie Nelson. Just Breath do Pearl Jam, na versão do véio. O refrão diz: “Vamos apenas respirar”. Massa! Só que ‘tava quase impossível de fazer isso naquela estradinha de terra.

“No problem, man”.


 


Na verdade, não avisou que iria aparecer naquele final de semana. Simplesmente resolveu revê-la. Ela não tem a mínima ideia que receberá aquela visita. Sim, é uma droga de surpresa! De onde apeou, em poucos minutos de caminhada, logo estará batendo naquela soleira. A mesma porta que tantas vezes preguiçosamente já cruzou. E ali, naquele lugarejo, o tempo parece engolir as horas ainda mais devagar. Enquanto se desloca a pé pela borda da viela, contempla quilômetros de campos e plantações, imagens verdejantes que se alastram serpenteando até o horizonte. Vislumbra um casebre simples de madeira costeado por um gigantesco flamboyant. Outro veículo cruza por ele e o faz engolir mais uns goles de poeira.

De qualquer forma, desejou morar ali.

Os morros, os pomares, o passaredo, o cheiro de bosta de vaca, os salsos-chorões com suas cigarras barulhentas. Sempre gostou desse refúgio e quando chega ao portão, enquanto enxuga o suor e abre a cancela de madeira, percebe que a casa dela está com portas e janelas arriadas. Estranho, pensa. Início de tarde, provavelmente ela está vendo a reprise da novela. Então, sem anunciar, continua avançando no pátio. Tira o fone dos ouvidos e procura sinais do pulguento de sempre, mas relembra que o cachorro morreu faz pouco. Ouviu dizer que um novo filhote habita aquele lar. Não vê rastros do bichinho. Passa pela frente da habitação e resolve se aproximar da janela lateral. Está aberta. Ao chegar próximo à abertura de um dos quartos, percebe estranhos gemidinhos, sussurros e o ranger da cama de ferro. Sim, os mesmos lençóis onde tantas vezes esteve com aquela mulher, agora recebe um novo visitante. Surpreso, paralisa como uma estátua. Ele reconhece o riso dela, sabe o que está acontecendo, afinal, já viu aquele filme, conhece o cenário na palma da mão. Não precisa ver nada, basta o que já ouviu.

Emudece.

Sorrateiramente, resolve voltar pelo mesmo lugar de onde veio.

Não vai ligar. Não vai dizer nada. Poucos minutos depois – já está em frente ao único armazém dali, mesmo lugar onde o próximo ônibus passará no final da tarde. Respira fundo e fica pensando. Sorrindo, balança a cabeça desacreditando o que viu. O local está fechado. Senta-se numa cadeira velha recostada a edificação, e em instantes, um gato brazino surge do nada e se enrosca nas pernas dele. O animal pede carinho, ele deseja: “fique aqui comigo, bichano. Vamos apenas respirar”.


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