As botinas



Crônica #49 publicada no Diário de Santa Maria 28/06/2013 | N° 11723

Ele gosta de usar calçados rústicos, botas de cano curto. Em lugar de cadarços, elásticos para a fixação aos pés. Botinas desse gênero geralmente são boas para dirigir a caminhonete, caminhar pela cidade ou dar boia para os porcos. Versáteis. Servem até para os bailinhos de fim de semana no salão da igreja. Tem um filme, Blaze, que o personagem de Paul Newman abriu ainda mais o leque. No papel de Earl Long, governador do estado da Louisiana, ele afirma: “Na hora de fazer amor, não tiro as botinas. Elas dão mais tração!”. Como precisava de um novo par, foi até a agropecuária onde fazia suas compras semanais para o sítio. Uns dias antes, o número desejado, 42, estava em falta. Ao entrar no estabelecimento, olhou para as prateleiras e viu um amontado de caixas. Finalmente haviam chegado.

Suas velhas botinas já estavam com ele havia cerca de dois anos. Desgastadas, puídas, salto esboroado, a tinta que cobre o couro batendo no osso, desaparecendo dia a dia. Mas... É, sem dúvida, o mais confortável par de sapatos que já guarneceu aqueles pés. Porém, na cabeça dele, estava no momento de aposenta-las. Solicitou ao atendente um modelo escuro, com saltos pretos e costuras mais claras. Nº 42. Experimenta-as e fica em dúvida. “Preciso amaciá-las”, pensa. Sem dúvida, é um belo par de botas. Compra e resolve sair porta afora com as novas. Coloca as velhas na caixa e as joga no banco do carona.

Quando liga o carro e começa os procedimentos nos pedais, comuns a todo motorista, não consegue sentir a intensidade da pisada no acelerador, embreagem e freio. Dá uma de maneta valendo, até acertar o tranco. Já fica puto da cara. Com as antigas botinas não havia esse problema. "Merda!", pragueja. Uns minutos depois, chega ao centro do lugarejo, estaciona o veículo no posto de gasolina, e segue até o restaurante. É meio dia, precisa almoçar. Serve-se rapidamente, e escolhe uma mesa próxima a janela central. As botinas começam a pressionar seus pés. O dedão do pé dói. O novo calçado parece um eficiente instrumento de tortura. No meio o almoço, pensa até mesmo em tirá-las, para que só assim, possa relaxar do apertume. Longe disso! Não consegue e perde o apetite. Paga o que comeu e dá um tempo no estacionamento, fumando o último cigarro da carteira. Amassa a embalagem e atira o bolo de papel na lata do lixo. Fica pensando na besteira que acabara de fazer.

Que saudade das minhas velhas botinas”, pensa. Dá a última tragueada no crivo, joga a bagana no chão e vai até o carro. Abre a porta, senta-se em frente ao volante e retira a tampa da caixa de papelão. Tira o pé esquerdo novo e troca pelo equivalente do calçado velho. Faz o mesmo como o outro. Guarda o modelo novinho em folha dentro da embalagem. Sente-se aliviado como nunca. Olha para os pés e diz baixinho: “Quanta estupidez!”. Liga o Chevy e tem certeza de que nunca mais usará aquelas lindas botinas. Agora, ele dirige perfeitamente.

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