A vida com música




Crônica #32 publicada no Diário de Santa Maria 22.02/2013 | N° 3383

Eu coloquei a cuca pra pensar nessas férias. Aquela história de fazer um balanço daquilo que “é”, e o que “não é” verdadeiramente relevante na vida de cada um de nós. E, é óbvio, ouvi muitos LPs nesse período de lazer e reflexão. Esse talvez seja um momento em que a música consegue atuar ainda mais forte como conselheira e apaziguadora de nossos espíritos turbulentos. No meu caso, a música paga minhas contas há mais de 20 anos. Na alegria e na tristeza, ela sempre está comigo. Trabalho com ela e por ela. Para mim, ouvir música é um assunto sério. Nesses dias, aqui em casa, fiquei literalmente revirando a terra e a prateleira.

Entre tanta coisa que escutei com mais atenção, redescobri um álbum em especial. Trata-se de Song for Beginners (Canções para Iniciantes), vinil lançado pelo cantor e compositor inglês Graham Nash, em 1971. Em um breve resumo, antes de colocar na rua esse trabalho, Nash já era um cara respeitado pela sua passagem pelo The Hollies, como também já tinha gravado álbuns espetaculares ao lado de David Crosby, Stephen Stills e Neil Young. Longe de ser mirim no ramo, no ano que lançou seu primeiro disco solo, ele estava com mais de 10 anos de estrada. É aí o X da questão. O cara se coloca numa posição de iniciante, quando na verdade ele sabe que tinha tudo para fazer um bom álbum. Como realmente fez. O primeiro recado é esse.


O estilo musical de Graham Nash é indiscutivelmente melódico, romântico e calmo, isso tanto em discos individuais, como ao lado de seus parceiros. Mesmo os temas mais agitados dele têm sabor doce amargo, suavemente nostálgico. E digo mais: esse cara tem um poder de síntese invejável quando ao assunto é nos fazer valorizar situações aparentemente corriqueiras do cotidiano. Suas canções espargem cenas simples da vida, pequenas minúcias, detalhes muitas vezes imperceptíveis, que de tão comuns, parecem isentos de magia ou substância.

Ou seja, por meio de sua arte, Graham elucida o enigma de visualizar a poesia onde teoricamente ela não está. Exemplo? Ouça Our House, tema lançado um ano antes de sua estreia solo, no álbum Déjà Vu. Na letra, ele desenha uma cena doméstica de um casal, onde a mulher coloca flores em um vaso enquanto seu homem acende a lareira. Fora da casa, dois gatos brincam no quintal. E aí chegamos a Simple Man, primeira faixa do Lado B de Song For Beginners. Na primeira frase ele já entrega o jogo: “Eu sou um homem simples, então eu canto uma simples canção”. Esse som foi resgatado para o grande público em 2007, quando ilustrou a abertura do filme Reine Sobre Mim, com Adam Sandler. As cenas iniciais com Sandler passeando pelas ruas de Nova York com um patinete motorizado ficaram muito bonitas (veja aqui). Ouça, veja, corra atrás. Nietzsche sabiamente afirmou um dia: “Sem a música, a vida seria um erro”. Pelo menos esse erro, esse em especial, eu nunca cometi.





Comentários

  1. Gosto muito da forma agradável que você coloca suas impressões do mundo musical em seus posts!

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