11 de setembro em 27 de janeiro

Foto: Germano Rorato

Crônica #29 publicada no Diário de Santa Maria 28.01/2013 | N° 3362


Tragédia é uma forma de drama, que se caracteriza pela sua seriedade e dignidade, frequentemente envolvendo um conflito entre uma personagem(s) e algum poder de instância maior, como a lei, os deuses, o destino ou a sociedade. E como descrever uma tragédia dessa magnitude, decorrida na madrugada do último domingo em Santa Maria? Como lidar com uma dor de tamanha dimensão? Quando nos deparamos com uma tragédia desse naipe, a primeiro impacto é de consternação. E assim nos lembramos: a vida muitas vezes pode nos apresentar sua parcela de dor. E que dor. 


Foto: Germano Rorato

Era pouco menos de seis da manhã, enquanto o coração do Rio Grande começava a acordar do maior de seus pesadelos, eu já estava trabalhando no estúdio da Rádio Gaúcha, isso logo depois de ter sido despertado, e deportado dos meus lençóis por um telefonema. Ao saltar da cama, liguei a rádio e pude ouvir que meus colegas já estavam no front, vendo “a coisa” de perto, e começando a tatear as primeiras informações. Com a adrenalina em ponto de bala, lá eles encaravam as flamas ardentes, vendo o pânico de olhos arregalados, engolindo indesejados goles de fumaça, presenciando corpos e mais corpos das vítimas, acompanhando bem de perto a dor dos amigos e parentes. 

Lá havia alguns dos meus conhecidos, amigos, muitas pessoas que estavam curtindo a noite de sábado (madrugada de domingo), pois afinal, nós todos temos direito a diversão, não é mesmo? E aí começa a tragédia. Um sinalizador, num local lotado, onde um extintor de incêndio não funciona. Apenas uma saída para escoar o público... Os detalhes e o resto da história estão em todos os jornais e sites do mundo. 


Foto: Lauro Alves

A cidade vai levar um tempo lambendo essa chaga, dolorosa ferida aberta para sempre em nossas vidas. A lei, os deuses, o destino ou a sociedade, todos estão implicados e emaranhados nesse drama da Boate Kiss. Os deuses foram impiedosos com as prováveis negligências. A lei que deveria ter fiscalizado o alvará dos bombeiros, aliou-se ao destino que levou as pessoas até lá, e durante esse momento de celebração, o impiedoso “beijo” da morte nos manchou com seu batom indesejável. Agora é aguardar os desdobramentos e todo o curvilíneo - e nem sempre ágil - processo de investigação de uma tragédia. 

O mundo voltou os olhos para Santa Maria, e não temos nenhum motivo para comemorar. Pelo contrário, tivemos o nosso 11 de setembro no dia 27 de janeiro de 2013. Uma imagem não me sai da cabeça: a descrição de que entre a fumaça e os escombros, vários celulares de pessoas mortas continuavam clamando por seus donos. Como não se impressionar com essa narrativa da reportagem da rádio Gaúcha: um bombeiro ao resgatar celular posicionado ao lado de um dos corpos, constatou que haviam 104 chamadas não atendidas. Ao ver o nome que estava escrito... Mãe.


Foto: Adriana Franciosi


Comentários