Toda a areia da ampulheta



Crônica #24 publicada no Diário de Santa Maria 28.12/2012 | N° 3336
             

Eu nunca gostei do Natal. Ou melhor, até curtia. Afinal, qual criança que não gosta de ganhar presentes? O meu problema com a data talvez tenha começado com o Papai Noel. A máscara de um dos símbolos do Natal (literalmente) caiu por terra quando eu tinha 6 anos. Era o natal de 1976. Naquele ano, pedi para o Papai Noel um fardamento completo do Inter. Lembre-se, caro leitor, poucos dias antes, a torcida colorada acabara de comemorar o bicampeonato brasileiro em partida realizada contra o Corinthians. Então, nada mais apropriado para um garoto naquele tempo.

Como em milhões de famílias espalhadas pelos quatro cantos do mundo, o Papai Noel também nos visitou naquela véspera de Natal. “Como será que ele faz para atender tantas pessoas ao mesmo tempo?”, meu “eu” garoto se perguntava. Mas apesar de minha ingenuidade, o Papai Noel que deu as caras lá em casa naquele ano me passava uma estranha impressão. Lembro que a barba dele parecia feita de algodão, seu rosto não demonstrava emoção alguma e, além do mais, a voz do velho me soava um tanto familiar. Mesmo desconfiado, sentei no colo do barbudo, e ele me entregou os presentes (calção, camiseta, uma bola e bandeira do Inter). Ok, tudo certo, meus irmãos também ganharam seus presentes, e o Papai Noel relaxou. Levantou os pés na mesinha da sala, recolheu a barba postiça e tirou a máscara que envolvia seu rosto. Duas constatações: Papai Noel bebia cerveja e tinha a cara e a voz do meu tio Joni.

Foi assim que descobri que Papai Noel não passava de conto da Carochinha. Lembro que fiquei decepcionado com minha mãe e desiludido pela descoberta. “Fui enganado”, pensei. Mamãe soltou os cachorros no tio Joni, no entanto, o estrago estava feito. Falei sobre não gostar do Natal porque, ao contrário dessa data que foi totalmente mercantilizada e deteriorada de seu sentido original, eu gosto do Ano Novo. Não falo apenas do lance festivo do evento, show de fogos e coisa e tal, mas, principalmente, do sentido de renovação e virada de chave. Por mais que tudo isso seja apenas uma obra de ficção que fomos obrigados a digerir (quer queiramos ou não), quando nos deparamos no calendário da cozinha com a data de primeiro de janeiro, inevitavelmente parecemos contagiados pela sensação de recomeço.

Pretendo começar o ano sem contas para pagar, com a casa limpa, a mente sã e o coração aberto. Cheio de planos e sonhos, eu quero tirar do papel meus projetos e materializar algumas maquetes que arquitetei nos últimos meses. No andar da carruagem, eu sei, nem metade daquilo que planejo irá acontecer. É assim mesmo. Resignado, eu espero que a outra metade das resoluções, quem sabe, possa fazer algum barulho positivo na minha vida e jogar luz em quem me cerca e aprecio. Nada como zerar o conteúdo da ampulheta e deixar os grãos de areia escorrerem sem pressa. Que venha 2013.



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