Quem vai apertar o botão?


Crônica #3 publicada no Diário de Santa Maria (03/08/2012 | N° 3211)

Um homem morando sozinho pode ser visto como uma bomba-relógio pronta pra explodir a qualquer momento. Lá vai ele, tropeçando nas próprias pernas, meio caminho entre a cozinha e o quarto vazio cheio de livros pelo chão e folhas de jornal espalhadas pelo assoalho sujo. Umidade. Não bastasse isso, o sujeito mantém pechas e pendengas que persistem em fazer barulho dentro da sua cabeça, como uma mescla de sonhos e pesadelos que invariavelmente sobrevoam o travesseiro daquele pobre homem todas as noites. Fica aquela sensação de ter perdido uma peça fundamental do quebra-cabeça e, por isso, será impossível decifrar o enigma por completo. Sempre que para pra pensar (e isso acontece o tempo todo), Elmo percebe que o melhor seria encontrar uma espécie de platô, ou redoma de vidro a prova de tudo aquilo que ele teme. Um lugar onde pudesse desfrutar da ausência de qualquer tipo de pensamento. Mas ele tinha plena consciência da impossibilidade disso acontecer. Zero! Por isso, uma nova garrafa de vinho teria sua rolha desobstruída em instantes. Quando o líquido lentamente desaba sob a taça, segundos antes de ele tomar o primeiro gole, a dor já parece reconhecer o seu adversário de maior respeito, até então.

Quanto à rotina e cuidados com uma casa, um homem sozinho acaba tendo de lidar com uma série de pequenas atividades que podem derrubá-lo, fácil, fácil. Elmo tem uma máquina de lavar de última geração, mas não sabe usá-la. A roupa suja está espalhada pelo banheiro e em um dos quartos. Invariavelmente a louça começa a acumular na pia. Ele até gosta de cozinhar, no entanto, ultimamente não consegue nem aprontar uma daquelas lasanhas pré-prontas. A última que colocou no forno ficou uma droga. Ele ainda queimou a boca. Algo pode estar ao mesmo tempo, muito quente e cru?

Voltando a garrafa de vinho, Elmo vai afogando suas dores em doses cavalares. Só que tem um detalhe: sim, a dor evanesce. Só que ela dá lugar à melancolia. Trágico, não? Em poucos minutos o líquido se esgota. Vai até a cozinha, joga a garrafa vazia no lixo e cuidadosamente deposita a rolha num pote onde outras duzentas e tantas rolhas estão pegando poeira faz tempo. “Por que tantas rolhas?”, um amigo certa vez perguntou. “É para fazer uma cortina de rolhas”. Alguém que guarda rolhas para fazer uma cortina merece crédito de alguém? Claro que não.

Elmo lembra-se de “Solitary Man”, canção de Neil Diamond, só que na versão de Johnny Cash, é claro. Na letra o protagonista se queixa que talvez nunca encontre alguém pra dividir as coisas, e que no frigir dos ovos, só lhe resta aceitar que irá acabar sozinho. O volume no talo faz os vidros da sala tremerem. Não satisfeito ele aperta no botão do “loudness” e, assim, acentua os graves da canção de Cash. Enquanto curte o som, ele se pergunta: “Quem irá apertar o botão da máquina de lavar?” Quem será a boa alma?

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