Uma pergunta:

Lady Day

Imagino o rosto imóvel & a gardênia entre os cabelos. A mulher que perdera seu homem estava lá, ela & sua taça de champanhe. Talvez pudesse permanecer naquele quadro por décadas, até algum artista descobri-la em sua fragilidade. Escultura, mapa sanguíneo, uma pintura. A geografia descrita em seu olhar triste indicava um caminho até o cume de algo confiável. É quase inacreditável, mas hoje parece que não mais nos importamos com os chiados dos discos de vinil. Os ‘tecs’ & pulos da agulha soam como parte da massa corpórea daquilo que ouvimos & sentimos de verdade. Abaixo a tecnologia de ponta, adeus as trombetas afinadas em escalas eruditas. Nesses dias translúcidos, a imperfeição é vista como algo pleno. Nunca o imaculado decalcou ares tão duvidosos.

Ah, meus 39 anos! A lente bifocal da experiência não deixa dúvidas. Tudo fica melhor quando peneirado pelo bolor dos anos. O vidro embaçado tem uma visão imparcial das coisas. A última noite que dormi contigo preparei uma refeição digna do cardápio dos Principados. Eu mereço paz & sossego depois de tanto esforço. Meu terno de defunto perdeu elegância na última vez que subi ao palco. Talvez tenha ganhado peso ou o tecido encolheu consideravelmente. Não tenho mais saco pra certas coisas. Deixa eu ficar quieto com minha barba por fazer & meu cheiro de falta de banho. Quando o amor cria rugas as palavras & gestos hidratantes perdem o efeito, é aí que percebemos as coisas como elas são. Billie geme no toca discos há três dias. Ela fala de novo sobre as mais puras & previsíveis verdades. Ainda quer morar comigo?

Comentários

  1. "...cheiro de falta de banho."
    Nananá... enche a bacia da roupa de água com shampoo, faz bastante espuma e se espreme pra caber dentro (toma do vidrinho de encolher da minha histórinha)!
    (muitas bacias já quebrei nesta fantasia de achar que era uma banheira chique)
    Abraços!

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