Um diálogo de domingo à noite

(por Bianca Zasso)

Como sempre, ela começa falando. Não por que tenha a voz mais alta, mas porque as palavras são mais fortes.

-Escuta só...
-Diga...
-Não sei se tu tá sabendo, mas eu já sei de tudo.
-Tudo?
-Tudo. Inclusive os detalhes.

Um silêncio inexplicável impera. Parece que até a canção vinda da casa ao lado deu uma paradinha.

-Quem te contou?
-Descobri sozinha.
-Ah, pára!
-Tu sabe que eu sempre consigo o que eu quero.
-E eu nunca estou nas coisas que tu quer.
-É verdade... bom, agora que eu sei de tudo, tá na hora do senhor se informar.

Aquela feição de ‘não entendi’ toma conta da cara dele.

-É o seguinte: eu posso não ser uma deusa e tu não ajuda muito com tua falta de elogios. Não te culpo, é o teu jeito. Mas sinto te informar que... como é que eu digo isso...
-Com a boca...

Ela não acredita no que ouve.

-Nem em piada tu é criativo, meus Deus!

Ele fica corado. Ou talvez seja fosse o álcool mesmo.

-Bom, mas voltando ao começo... eu quero te dizer que...bom...que eu...
-Que tu...
-... que eu andei em outros braços.
-COMO É QUE É?
-É isso que eu te disse! Andei por outras ruas, passei por outros corpos, cantei em outra freguesia, dormi em outra cama! Enfim, te traí com a Wanda!
-Quê?
-Ou te pus um par de chifres, já que tu adora uma metáfora.
-Eu não acredito, com a Wanda? Ela é ... ela é ....
-Eu também não acreditei no começo. Mas logo me acostumei.
-Ah é! Não me diga.
-Com coisa boa a gente se acostuma fácil, querido.

Ele não sabia se ficava quieto ou gritava pra toda a rua ouvir. Ela suspirou e fixou o olhar nas próprias mãos. Precisava de uma manicure urgente. (continua)

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(por Márcio Grings)


- Eu não te falei, né?

- O quê???

- Eu não sou confiável. Nunca fui...

- Eu já sabia disso há muito tempo.

- É mesmo?

- Sempre ‘teve estampado na tua cara. E aquela vagabunda nunca me enganou. Se fazendo de minha amiga!!!!

- Fazê o que? É mais forte do que eu. Na VERDADE eu menti muitas vezes. A Wanda não foi a única. Precisava te dizer isso. Na VERDADE poucas vezes falei a "VERDADE"!


Ela emudece com aquela resposta cretina. Fica olhando pro vazio e praticamente perdendo as forças, repousa as mãos nos quadris. Um perfeito quadro de desilusão. No instante seguinte, num tom de voz sussurrado, pergunta:


- O que eu faço contigo?

- Nada.

- Como assim, nada?!


Agora ela grita.


- Nada!!! No fundo, bem no fundo baby, eu sou gente boa. Sabe qual o meu problema?

- Gente boa? Que piada sem graça... Tu não presta!!

- Pára com isso!!! Sou um cara bacana sim. Eu apenas amo demais. Eu quero abraçar o mundo. Viver mil vidas, coisa e tal. Sou um cara curioso e Gosto de estar em todos os lugares. E olha que às vezes eu quase consigo isso. Tenho problemas com negativas... Eu adoro a palavra SIM.


Ela cerra os olhos e dispara:


- Sabe qual a pior parte de tudo isso. Eu nunca te traí em todos esses anos! Cretino! Babaca!


Agora é ele que emudece por alguns segundos. Primeiro fixa os olhos nela sem falar absolutamente nada. Parece que pela primeira vez em muito tempo, realmente estava reconhecendo que o filho-da-puta da história era ele mesmo. Ou melhor, era óbvio que o exercício da vilania estava sendo praticado por apenas uma pessoa naquele quarto. Ri fungando baixinho, baixa a cabeça, senta na cama, lentamente levanta o pescoço, olha bem nos olhos dela e fala:


- Tu lavou minha camisa branca? Gostaria de sair com ela amanhã. Pode ser?

Comentários

  1. Bah.. o que dizer..
    Matou! Muito bom. E com u mdesfecho sensacional!
    =)

    Abraçãoo!!

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  2. PUTA-QUE-PARIU!!!! TU É FODA MÁRCIO!!!MUITO BOM... lembrei de um conto do Luiz Fernando Veríssimo, do livro, "As mentiras que os homens contam"... Sensacional!
    Beijo pra tu.

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  3. Nossa ficou muito bom mesmo... A Bianca é ótima... hehehe... E o Márcio não deixa barato!! Adorei mesmo... Bjão

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